Fitoterápicos

Copaíba

A copaíba já se revelou capaz, de impedir o crescimento do trypanosoma cruzi, protozoário causador do mal de Chagas, uma doença que atinge oito milhões de brasileiros e contra a qual não existe ainda uma droga eficaz. Por fim, além de sua fama como infalível antisséptico, cicatrizante e anti-inflamatório, Vera e outros profissionais do Laboratório agora avançam na criação de um creme vaginal destinado a combater os vírus do HPV, causadores do carcinoma do colo do útero (um problema que atinge cerca de 30% das mulheres brasileiras).

O óleo de copaíba constitui material resinoso extraído por meio de uma incisão no tronco da copaibeira. Seu nome é de origem guarani, e é também conhecido como bálsamo de copaíba. Os índios da Amazônia utilizavam o óleo para untar o corpo depois dos combates para curar as feridas. Os colonos descobriram outras aplicações, utilizando-o como antisséptico das vias urinárias e respiratórias, particularmente bronquites. Medicamentos da fitoterapia indígena haviam sido repertoriados pelo padre Fernão Cardim no último quartel do século XVI. Assim a copaíba (cicatrizante) tinha boa usança entre missionários e moradores.

 

O departamento de Produtos Naturais começou o trabalho com plantas medicinais por três anos até que em 1998 os pesquisadores chegaram a um creme vaginal à base de óleo de copaíba. Na Amazônia, é comum usar o óleo como cicatrizante e para herpes labial, o que chamou a atenção dos cientistas da Fiocruz: o vírus assemelha-se ao HPV.

Um teste feito com pacientes do Instituto Nacional do Câncer (Inca) mostrou que o vírus desaparecia com a aplicação da copaíba, mas, como os exames não foram feitos nos padrões exigidos para a comprovação científica, Far-Manguinhos desenvolveu o produto e começou os testes clínicos, nos quais mulheres serão submetidas a um tratamento com o óleo e outras, com placebo, e de laboratório. “O teste de toxicidade deu negativo”, comemora a pesquisadora Vera Cascon, referindo-se ao exame que constata se a planta pode causar efeitos colaterais. “Mas temos de verificar como a substância age contra o vírus e se também será possível usar a copaíba para reduzir os tumores”.

A hipótese dos cientistas é a de que o óleo de copaíba, na verdade, atue como um ativador do sistema imunológico contra o HPV e não necessariamente aja contra o vírus.

A Copaíba (Copaifera sp), ou Copaibeira, é uma árvore de grande porte da família Leguminosae encontrada em todo o Brasil. Os habitantes da floresta a procuram como local de tocaia para pequenos animais silvestres que se alimentam de seus frutos. A árvore, também chamada de Pau d’óleo, é facilmente encontrada na mata devido ao forte aroma de sua casca. Chamada de copaíva ou copahu pelos indígenas (do tupi: Kupa’iwa e Kupa’u, respectivamente), o óleo da copaíba era bastante utilizado entre os índios brasileiros quando os portugueses chegaram ao Brasil. Tudo indica que o uso deste óleo veio da observação do comportamento de certos animais que, quando feridos, esfregavam-se nos troncos das copaibeiras. Os índios o utilizavam principalmente como cicatrizante e no umbigo de recém-nascidos para evitar o mal-dos-sete-dias. Os guerreiros quando voltavam de suas lutas untavam o corpo com o óleo da copaíba e se deitavam sobre esteiras suspensas e aquecidas para curar eventuais ferimentos.

A copaíba é incrivelmente poderosa, um antibiótico da mata, que já salvou vidas de muitos caboclos e índios seriamente feridos. Em algumas regiões, o chá da casca é bastante utilizado como anti-inflamatório. Em Belém, a garrafada da casca está sendo utilizada como substituto do óleo de copaíba. Isto porque é cada vez mais difícil encontrar o óleo. A casca entra na composição de todos os lambedores ou xaropes para tosse. Nos Andes do Peru, o óleo de copaíba é utilizado para estrangúria, sífilis e catarros.

No século XVII, os primeiros médicos do Brasil contornavam parcialmente a escassez de remédios, cujo suprimento à Colônia era irregular, recorrendo às drogas indígenas. Os viajantes se abasteciam dessas drogas, “comprovadamente eficazes”, antes de se aventurarem por lugares desconhecidos. Dentre essas drogas, o óleo das copaibeiras era uma das que desfrutava de maior prestígio entre os viajantes. A primeira citação sobre o óleo de copaíba talvez tenha sido feita numa carta de Petrus Martius ao Papa Leão X publicada em 1534, em Estrasburgo. Naquela carta, faz-se referência ao “Copei” como uma droga indígena.

Não houve cronista importante na História do Brasil que não tenha se referido às virtudes do óleo de copaíba. Um dos primeiros foi Gabriel Soares de Sousa (c1540-c1592), que registrou em sua obra “Tratado Descritivo do Brasil” a utilização do óleo pelos índios, incluindo-o entre aqueles provenientes “das árvores e ervas da virtude”. O padre Jesuíta José Acosta (c 1539-c1604) no seu livro “De Natura Novi Orbis”, traduzido em 1606 do latim para o francês, e depois por José Maffeu para o português, que o intitulou “História Natural e Moral das Índias”, assim se referiu ao óleo de copaíba: O bálsamo é celebrado com razão por seu excelente odor, e muito maior efeito para curar feridas, e outros diversos remédios para enfermidades, que nele se experimentam…nos tempos antigos os índios apreciavam em muito o bálsamo, com ele os índios curavam suas feridas e que delas aprenderão os espanhóis.

Não foram só os cronistas portugueses que descreveram as propriedades medicinais do óleo de copaíba. Ele não passou desapercebido a Jean de Lery, que veio para o Brasil com Bois-Le-Comte, sobrinho de Villegagnon. De Lery o descreveu na “Histoire d’un Voyage fait en la Terre du Brésil”, em que retratava a tentativa francesa no Rio de Janeiro de criação da França Antártica. Outro estrangeiro, o holandês Gaspar Barléu, em seu livro “História dos feitos recentemente praticados durante vinte anos no Brasil”, dedicado ao Conde Maurício de Nassau, assim se referiu à copaíba, que considerava uma das árvores próprias da terra mais notáveis. Peckolt, um dos primeiros cientistas a investigar de modo sistemático as propriedades medicinais da flora brasileira, tinha a mesma opinião de Barléu sobre a copaíba. Ele a considerava uma das dez árvores genuinamente brasileiras mais úteis na Medicina. O óleo de copaíba já constava em 1677 da farmacopeia britânica e em 1820 da farmacopeia americana (USP). Ainda hoje o óleo de copaíba pode ser facilmente encontrado em toda a Amazônia, onde é vendido em mercados e feiras populares, com diferentes denominações, como por exemplo, Panchimouti, Palo de aceite, Cabimo, Copahyba, Copaibarana, Copaúba, Copaibo, Copal, Maram, Marimari e Bálsamo dos Jesuítas.

Seu uso tão difundido o torna o remédio mais usado e conhecido pelas populações mais pobres dessa imensa região, como diurético, laxativo, antitetânico, antiblenorroágico, antirreumático, antisséptico do aparelho urinário, anti-inflamatório, antitussígeno, cicatrizante e remédio para o combate ao câncer. O que era uma droga indígena no passado é hoje um fitoterápico que pode ser encontrado em qualquer farmácia natural e de manipulação do País. Estudos farmacológicos com o óleo de copaíba mostram que o uso do óleo pelos índios é plenamente justificado. Avaliação in vivo e in vitro vem demonstrando que os óleos de várias espécies de copaíferas possuem atividade anti-inflamatória, cicatrizante, antiedematogênica antitumoral, tripanossomicida e bactericida. Estudos fitoquímicos recentes mostram que os óleos de copaíba são misturas de sesquiterpenos e diterpenos. O ácido copálico e os sesquiterpenos b-cariofileno e a-copaeno são os principais componentes do óleo. O ácido copálico, encontrado em todos os óleos de copaíba até hoje estudados, talvez possa vir a ser usado como um biomarcador para a autenticação desses óleos.

O óleo de propriedades quase mágicas, com o qual valentes guerreiros untavam seus corpos para descansar após suas batalhas, e o espanto dos primeiros europeus quando viram árvores tropicais exuberantes jorrarem óleo aromático, pode ser sintetizado na descrição feita por Pero Magalhães Gandavo, um de nossos cronistas mais importantes, em seu livro “História da Província de Santa Cruz”, de 1576: Certo gênero de árvores há também pelo mato dentro da capitania de Pernambuco a que chamam copaíbas, de que se tira bálsamo mui salutífero e proveitoso ao extremo, para enfermidades de muitas maneiras, principalmente as que procedem a frialdade: causa grandes efeitos, e tira todas as dores por graves que sejam em muito breve espaço. Para feridas ou quaisquer outras chagas, tem a mesma virtude, as quais tanto que com ele lhe acodem, saram mui depressa, e tira os sinais de maneira, que de maravilha se enxergam onde estiveram e nisto se faz vantagem a todas as outras medicinas. A história desse óleo não é feita só de virtudes. Hoje, podemos constatar com tristeza, que os óleos de copaíba vêm sendo vendidos em muitas farmácias de todo o País, adulterados com óleos vegetais, principalmente o de soja e até mesmo com óleo diesel nos locais de coleta dos óleos.

Uma outra aplicação da copaíba é como combustível. O óleo de copaíba (Copaifera multijuga) vem de uma arvore frondosa, 30m de altura, encontrada nas florestas tropicais da Amazônia, muito conhecida pelo seu valor medicinal, cujo valor como combustível para motor diesel, também é conhecido dos barqueiros do Rio Amazonas e seus afluentes, os nativos daquela área, há muito utilizam para mover os barcos, nos altos rios, quando falta óleo diesel. A Sudam, em 1978, estimulou um plantio de 10 mil hectares, para cultivo da copaíba, como experiência, pois estima-se que na fase adulta, cada hectare pode produzir 50 barris de óleo por ano.

O Instituto de Pesquisas da Amazônia (Prof. José Guilherme Maia) testou o óleo da copaíba em motores diesel Mercedes Benz em jipe Toyota, durante quase dois anos, com absoluto sucesso, sem alteração nos motores e sem necessidade de aditivos ou estereficação, como ocorre com outros óleos essenciais. A mecânica da produção natural do óleo da copaíba ocorre na fase adulta, quando o cerne da arvore, perde a circulação da seiva e começa acumular a essência, que por gravidade vai se depositando próximo do tronco, as vezes ôcos e, quando é feito um furo de trado ou broca, que atinja o depósito chega a produzir 20 a 30 litros em 24 horas a cada sangria, duas por ano, no máximo, dependendo da idade da arvore.

Substâncias sintetizadas no laboratório a partir de componentes isolados do óleo de copaíba e do breu de pinheiro apresentaram resultados importantes contra nove linhagens de câncer e contra a tuberculose, inibindo ou matando células doentes, segundo estudos de pesquisadores do Instituto de Química (IQ) e do Centro de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp. O processo com a copaíba, executado em nível de doutorado e patenteado em 2002, ainda carece de testes toxicológicos para averiguar se as substâncias não afetam também as células normais, o que exigiria estudos mais detalhados sobre dosagens até que se chegue a uma concentração que não seja tóxica. O professor Paulo Imamura, do Departamento de Química Orgânica, orientou a doutoranda Inês Lunardi em sua tese (Síntese do sesterterpeno hyrtiosal a partir do ácido copálico – Determinação da configuração absoluta do produto natural). Ele explica que uma série de reações químicas envolvendo o óleo de copaíba levou ao (-)-hyrtiosal, composto isolado da esponja marinha e patenteado por cientistas japoneses em 1992.

A aluna do IQ, segundo Imamura, sintetizou o (-)-hyrtiosal e também compostos análogos, que passaram por testes no CPQBA, onde o professor João Ernesto de Carvalho constatou atividades contra células cancerígenas de ovário, próstata, renal, cólon, pulmão, mama, mama resistente e melanoma, mais a leucemia. Os resultados são próximos ou iguais aos encontrados na literatura envolvendo outras substâncias. Quanto ao breu de pinheiro, transformações químicas de um ácido resínico nele existente permitiram a obtenção de ozonídio, um peróxido que é altamente reativo.

O professor João Ernesto de Carvalho, coordenador da Divisão de Farmacologia e Toxicologia do CPQBA, realizou as culturas in vitro e recorda que uma das substâncias, (-)-hyrtiosal, foi a que apresentou atividade mais seletiva, sobre a linhagem do melanoma. “Se precisasse escolher um dos compostos para dar seguimento às experiências, com testes em animais, seria este”, afirma. Ele ensina que a seletividade é o que torna o material interessante. Uma substância que destrói todas as linhagens de células cancerígenas entra no primeiro critério de exclusão, pois provavelmente mata também as células normais, inviabilizando sua aplicação no paciente. “É impossível obter uma só droga que combata todos os tipos de câncer. Não se trata de uma patologia única, mas de mais de cem doenças, cada qual com etiologia, sintomas, progressão e tratamento próprios”, acrescenta. No CPQBA, as quatro substâncias foram deixadas em contato com as linhagens de câncer por 48 horas, quando se interrompeu o processo para determinação de concentração de proteínas, mostrando se houve crescimento, inibição ou morte das células em relação às concentrações que variaram de 0,25 a 250 microgramas por mililitro – faixa adotada também para drogas já aprovadas. Para passar aos testes in vivo, Carvalho afirma que precisaria de quantidades maiores das substâncias sintetizadas.

Apesar da ausência de testes citotóxicos, a tese de Inês Lunardi preserva sua relevância enquanto pesquisa básica. “Caso as substâncias afetem também as células normais, a limitação aumentaria, já que precisaríamos detalhar os estudos sobre a dosagem. Contudo, isso acontece com muitos produtos conhecidos, como o veneno de cobra, muitas vezes letal numa picada, mas que em baixas concentrações funciona como remédio”, ilustra Paulo Imamura. Uma vantagem deste processo está na obtenção das matérias-primas: a copaíba, cujo óleo é extraído com a perfuração do tronco (sem corte da árvore), e o pinheiro, abundante em projetos de reflorestamento. “Não raro, uma quantidade razoável de droga natural necessita de toneladas de matéria-prima. Um exemplo é o taxol, aplicado em câncer de útero ou cólon, que antes exigia o corte de oito árvores (Taxus brevifolia) de 100 anos de idade para atender a um único paciente. Isto foi resolvido com o aproveitamento e a transformação química de substância extraída de galhos e folhas de uma espécie europeia, a Taxus baccata”, explica. Imamura é pessimista quanto à possibilidade de a indústria farmacêutica nacional investir na pesquisa e viabilização de medicamentos à base do óleo de copaíba e do breu de pinheiro.

Contudo, acha que a solicitação de patente do processo de transformação química foi um cuidado necessário: “No Brasil, costumamos sintetizar substâncias academicamente e publicar nossos trabalhos, quando há ocorrências de grandes indústrias do exterior que se apropriam dos estudos realizados no chamado terceiro mundo, principalmente na área de fitoquímica. Pelo menos no Instituto de Química, já vejo a preocupação de resguardar as pesquisas não apenas como forma de publicação”, finaliza.

 

 

Fonte:

http://galileu.globo.com/edic/92/saude2.htm

http://www.clubedasemente.org.br/copaiba.html

Trato dos Viventes, Luiz Felipe Alencastro, pagina 134

http://elogica.br.inter.net/ladislau/biomassa.htm

http://www.sbq.org.br/PN-NET/causo6.htm

acesso em janeiro de 2002

http://www.amazonlink.org/biopirataria/copaiba.htm

acesso em março de 2003

http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2003/ju213pg5a.html

acesso em outubro de 2004