Telecomunicações

“Cetral Trópico”

O engenheiro de telecomunicações Carlindo Hugueney é atualmente sócio gerente da H Engenharia e Participação Ltda. De 1971 a 1973, Carlindo, como engenheiro de Telecomunicações da Telebrasília participou do Grupo de Estudo sobre Centrais Eletrônicas, criado pelo Presidente da companhia para propor soluções para modernizar a rede da Telebrasília. No período entre 1973 e 1977 atuou como pesquisador da Universidade de São Paulo, participando no Projeto Siscom, que desenvolveu o protótipo de uma central telefônica digital. Nesse projeto liderou a equipe que desenvolveu o elemento de controle do sistema. No período de 1977 a 1991 ocupou diversas posições gerenciais. A mais importante foi a de Coordenador do Projeto Trópico. Foi responsável pela implantação do projeto, pela contratação de pessoas chaves e pelo desenvolvimento e a implantação dos processos internos mais críticos. Foi também responsável pelos aspectos técnicos do projeto. É detentor das patentes que protegem a arquitetura do Sistema Trópico. O Trópico hoje possui mais de 8 Milhões de linhas em serviço e é a central digital de maior confiabilidade implantada na rede brasileira. A Trópico S.A., empresa que o fabrica, fez uma aliança estratégica onde provê a tecnologia de comutação de voz para a Cisco Systems.

 

Em 1991 as companhias telefônicas brasileiras introduziram uma plataforma multi aplicação conhecida como Trópico R.A. baseada em duas décadas de pesquisa e desenvolvimento. O sistema baseia se numa nova técnica de chaveamento desenvolvida pelo CPqD, o departamento de pesquisa na então estatal de telecomunicações Telebrás. Na época da privatização da Telebrás, cerca de 30% dos terminais telefônicos, algo em torno de 4.6 milhões, eram interligados através de centrais telefônicas digitais Trópico RA

 

Antes da introdução da plataforma Telebrás, somente centrais telefônicas estrangeiras estavam em uso no Brasil, havendo carência de tecnologia nacional e pessoal especializado. O sistema Telebrás, implantado em 1972 tinha o objetivo de desenvolver as telecomunicações do país. A instalação em grande escala de modernas centrais telefônicas no sistema de telecomunicações brasileiro iniciou-se na metade dos anos 80. O desenvolvimento do sistema Trópico foi lançado em 1973, quando a Fundação para Desenvolvimento Tecnológico de Engenharia da USP foi contratada pela Telebrás para o desenvolvimento de uma central de comutação digital. O Mistério das Telecomunicações em 15 de agosto de 1975, baixou a portaria 661, que instituiu a política para introdução da tecnologia CPA no Brasil, determinando a adoção de medidas para inovação tecnológica do setor.

 

Em 1975 a FDTE sob a liderança do prof. Hélio Guerra Vieira – que anos depois se tornou reitor da USP – produziu um protótipo de um comutador digital denominado Siscom I, embora não comercial, ficava demonstrada a viabilidade técnica de um desenvolvimento de centrais CPA. No primeiro semestre de 1977, logo após a fundação do CPqD, a maioria dos pesquisadores da FDTE foi absorvida pelo Centro e se concentrou no desenvolvimento do projeto. Em 1977 o CPqD definiu as especificações técnicas e o primeiro projeto da arquitetura e ciclo de desenvolvimento, e três anos mais tarde o primeiro concentrador digital de linha (TROPICO C) estava pronto para produção em escala comercial, capaz de estabelecer 4000 conversas telefônicas, sendo testado e aprovado pela Telesp. Esse equipamento é um sistema modular, baseado em tecnologia CPA, projetado para concentrar até 192 assinantes em 30 canais que são multiplexados por divisão no tempo, e transmitidos através de um enlace digital.

 

Em março 1979 durante o International Switching Simposium, em Paris, Carlindo Hugueney aborda numa palestra o desenvolvimento do sistema Trópico. Mostrava-se que o esforço realizado havia capacitado o CPqD em nível de igualdade com a comunidade internacional. No início dos anos 80 iniciou-se a produção comercial da central TROPICO R, também baseado em tecnologia digital por divisão no tempo e CPA. Este equipamento é destinado às comunidades rurais e áreas urbanas que necessitem de centrais de pequeno porte. O Trópico R tem uma capacidade de tráfego total de 320 erlangs, podendo atender a cerca de 4000 assinantes em sua configuração básica. Pode ser interconectado a centrais do tipo cross bar e centrais CPA espaciais ou temporais através de enlaces digitais ou analógicos utilizando sinalização por canal associado. Pode também operar em conjunto com o Trópico C sem necessidade da unidade local para interface. Logo em seguida, as companhias telefônicas brasileiras adotaram uma versão aperfeiçoada de multi aplicação, baseada na tecnologia de Controle de Programa Armazenado – Divisão Temporal (CPA-T), a TROPICO RA. Trata-se de uma central local/tandem de comutação digital por divisão no tempo, com uma capacidade total de tráfego de 12600 erlangs (tipicamente 80 a 100 mil assinantes) que provê serviços especiais como discagem abreviada, entre outros.

 

O sistema de divisão temporal é um sistema de multiplexação por divisão de tempo (TDM). Aqui os sinais telefônicos não são transmitidos lado a lado na faixa de frequência como na multiplexação por divisão de frequência, mas sim, deslocados no tempo, num período com 32 “time slots”. Esta subdivisão se repete a cada 125 m s em períodos subsequentes. A um sinal telefônico é atribuído um ‘time slot’ em cada período subsequente. Este foi projetado para oferecer uma larga gama de novos serviços que os anteriores da família (TROPICO C e TROPICO R) não ofereciam, tais como sinalização por canal comum (sinalização N7 do CCITT), facilidades operacionais adicionais e possibilidade de ser um nó da Rede Digital de Serviços Integrados RDSI. A primeira central iniciou operação comercial em 1991 na Telebrasília.

 

O CPqD aplicou uma metodologia inteiramente nova no desenvolvimento da TROPICO RA. Nesta metodologia o sistema é considerado de diversos pontos de vista de acordo com a fase particular do projeto e grau de especialização adotado. Numa primeira etapa o sistema é dividido em blocos de serviço (BS) que são unidades do sistema funcional. Fisicamente o sistema é estruturado em placas, racks, softwares, etc, conhecidos como blocos de implementação (BI). A plataforma de software da TROPICO RA é implementada usando as especificações de linguagem de alto nível CHILL da CCITT. Esta linguagem foi especialmente desenvolvida pelo CCITT para controle de processos de telecomunicações. O Modelo de Informações do software utiliza um esquema orientado a objeto. O sistema operacional engloba os programas orientados para o sistema, tais como: controle e execução dos programas, procedimentos de entrada e saída e temporização, além de funções de segurança. O software de aplicação inclui programas orientados para o usuário que realizam tarefas de processamento das ligações, de operação e manutenção, supervisão e controle de tráfego

 

O TROPICO RA é o terceiro elemento da família TROPICO de equipamentos de comutação, sucedendo ao concentrador TROPICO_C e a Central de Pequeno Porte TROPICO-R. O TROPICO RA é um sistema digital com os sinais de voz sendo digitalizados a uma taxa de 64Kbits sendo os canais internos comutados por Comutação de Circuitos. Isto significa que um caminho interno é dedicado exclusivamente a cada chamada durante toda a sua duração. Já a estrutura de sinalização entre processadores baseia-se na comutação de mensagens, onde são escoados pacotes de informações de tamanho variável. Cada pacote é auto endereçado, e os pacotes de uma mesma mensagem podem seguir trajetos diferentes, já que cada trajeto é alocado unicamente durante a transmissão do pacote. O TROPICO RA é uma Central com Controle por Programa Armazenado. Isto significa que tanto os programas que determinam seu funcionamento como os dados de configuração são armazenados em memórias residentes e associados aos diversos processadores da Central

 

O sistema se caracteriza por um controle distribuído e descentralizado, ao contrário das demais centrais à sua época que mantinham todo o sistema sob controle de uma central de processamento. As funções do sistema são divididas em elementos chamados Submódulos. Cada Submódulo possui um processador que controla as funções associadas ao mesmo. Todos os processadores da central se conectam a um sistema redundante (caso um processador falhe, outro entra em ação automaticamente) de vias de sinalização interna. O conjunto de processadores e vias de sinalização constituem uma rede distribuída de processadores. Além de distribuída, essa estrutura de controle é completamente descentralizada com relação às suas funções essenciais.

 

As funções de Comutação, Sinalização entre processadores e distribuição interna de sincronismo podem ser implementadas em 2, 3 ou 4 planos que trabalham em partição de carga e garantem a redundância relativa a uma alta confiabilidade. Tal redundância é ativa de modo que qualquer solicitação de Comutação, Solicitação ou Sincronismo pode ser atendida por qualquer um dos respectivos planos que não encontre falha. O número de planos de comutação e sinalização entre processadores são escolhidos de modo a atender as exigências de tráfego e confiabilidade em função da aplicação e capacidade de cada Central.

 

O tipo de redundância utilizada no TROPICO RA não usa partes em stand by que possam ficar sem cursar tráfego nem realizar funções durante o tempo em que unidades principais se encontram sem falha. Durante esses intervalos, que correspondem à maior parte do tempo, estas partes em stand by representariam uma carga de custo inútil. Ao contrário, o TROPICO RA utiliza redundância por partição de carga. Neste caso, todos os elementos sem falha disputam com seus pares o tráfego e/ou tratamento de funções que lhes correspondem. Além de ter em serviço todas as partes sem falha a maior parte do tempo, o que lhe permite, por exemplo, tratar de forma mais efetiva condições de sobrecarga, o tipo de redundância utilizado no TROPICO RA exige mecanismos menos sofisticados de cobertura de falhas que em outros sistemas são essenciais para ativar as unidades de stand by. Esta filosofia de redundância é utilizada também no TROPICO R.

 

 

A central TROPICO RA, é constituída a partir de seis tipos básicos de módulos. os módulos de Comutação (MX) e de Sinalização incorporam as funções básicas de comutação de sinais de voz, de mensagens entre processadores e de geração e distribuição primária de sincronismo denominadas funções de interconexão que se caracterizam funcionalmente como módulos de interconexão, pois qualquer informação trocada entre quaisquer dois módulos da central, tem origem ou passagem por um MX ou um MS. A interconexão com o meio externo é realizada através dos módulos terminais (MT) no que diz respeito à rede telefônica externa e através do módulo de operação e manutenção (MO) no que diz respeito a periféricos de entrada e saída, utilizados para supervisionar, manter e operar a central. O módulo de canal comum (MC) realiza o nível 2 e parte do nível 3 da sinalização por canal comum (sinalização N7 do CCITT), para isso recebe através de conexões semipermanentes realizadas em um ou mais MX, os canais básicos a 64Kbits/s, que transportam as correspondentes mensagens de e para alguns troncos digitais. O módulo auxiliar (MA) realiza exclusivamente funções de controle de software.

 

Em termos de elementos construtivos a central TROPICO RA, é portanto caracterizada pelo fato de conter um conjunto de Módulos de Interconexão divididos em planos e mais um conjunto de módulos MOs, MCs e MAs. A rede de processadores que constitui a estrutura de controle do TROPICO RA é formada por dois tipos de processadores, um com barramento externo de 8 bits baseados em CPUs 8088 e outro com um barramento externo de 16 bits baseados na CPU IAPX 286

 

As principais características dessa central são:

Comutação temporal com conversão de sinais analógico/digital e digital/analógico a nível de terminais;

Controle distribuído e descentralizado;

Participação de carga sem troca de mensagens de atualização entre processadores;

Degradação suave em caso de falhas;

Estrutura de voz, sinalização e sincronismo independentes;

Redundância ativa nas funções de comutação, sinalização e distribuição de sincronismo;

Alto grau de modularidade e expansão;

A família Trópico portanto, compreende um concentrador de linhas de assinantes, em produção desde 1983 (Trópico C). A central local de pequeno porte para 4.000 assinantes e 800 troncos está no mercado desde 1985 (Trópico R). A central local/ Tandem de médio porte para 16 mil linhas iniciou a produção em 1991 (Trópico RA). Cerca de catorze patentes relativas ao sistema TROPICO foram depositadas no INPI. O impacto do desenvolvimento do projeto foi imediato. O custo da plataforma de centrais telefônicas estrangeiras à época da implementação do sistema TROPICO, era da ordem de 800U$ por terminal. Com a introdução do sistema, os concorrentes estrangeiros reduziram abruptamente o preço para US$200. Com cerca de 2 milhões de terminais instalados em 1996, a economia de recursos às companhias operadoras atinge a cifra de um bilhão de dólares.

 

Com a privatização o CPqD em 1999 abriu mão do desenvolvimento da central e formou com a Promon uma joint-venture, a TROPICO SA. A Anatel ao regulamentar as compras das operadoras novas que entraram no mercado, estabeleceu na cláusula 15.8 dos contratos de concessão, que estabelece que os compradores devem dar preferência, se houver igualdade de condições de preço, qualidade e prazo, a produtos nacionais e àqueles cuja tecnologia seja desenvolvida no país.

 

Fonte:

http://www.undp.org/tcdc/bestprac/scitech/cases/st3braz2.htm

http://www.ifi.unicamp.br/~brito/artigos/univ_empr_pesq_II.pdf

Revista Telebrás, edição Tecnologia junho/1990 pgs 17-28

http://www.amperesautomation.hpg.ig.com.br///centel.html

 

acesso em janeiro de 2002

História Geral das Telecomunicações no Brasil, Henry Barros, cadernos da TELECOM Vol. 1 , 1989, página 142, 165, 180

Agradeço a contribuição do inventor Carlindo Hugueney (carlindo@hugueney.com) pelo envio de sua foto e revisão do texto em outubro de 2002