Desde que o alemão Robert Koch anunciou a descoberta do bacilo da tuberculose, em 1882, a prevenção e o tratamento da doença desafiam cientistas em todo o mundo. E pela dimensão que essa doença infecto-contagiosa alcança na atualidade, torna-se particularmente importante o desenvolvimento de uma nova vacina contra a tuberculose por uma equipe de pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, coordenada pelo professor Célio Lopes Silva.
Segundo Célio Silva, o trabalho começou em 1990, quando ele foi para Londres fazer seu pós-doutoramento. Naquela época, já se sabia que a BCG (Bacilo Calmette-Guérin), uma vacina viva baseada no Mycobacterium bovis atenuada para uso humano em 1921 (vacina de primeira geração), não conferia proteção satisfatória contra a tuberculose. Os antígenos purificados da BCG (vacinas de segunda geração) também não induziam a proteção tanto desejada.
Partindo-se do princípio de que o Mycobacterium tuberculosis, o agente causador da tuberculose, se esconde dentro das células humanas e não é atingido pela ação dos anticorpos, seria necessário estimular os linfócitos T CD8 (uma das principais células de defesa de nosso organismo), capazes de destruir especificamente as células infectadas pelos bacilos. Esses linfócitos são estimulados somente quando os antígenos (proteínas do bacilo) são produzidos dentro de células, os macrófagos como acontecem nas infecções virais.
Segundo Célio Lopes o princípio da vacina é o seguinte: primeiro os pesquisadores isolam um segmento de DNA da bactéria causadora da tuberculose e o enxertam em outras bactérias para que estas possam produzi-lo em grande quantidade. Como o segmento de DNA se incorpora ao genoma dessas bactérias, à medida que se reproduzem, ele se multiplica. Em seguida os cientistas purificam o segmento e o adicionam a uma solução. Ao ser aplicado, o segmento de DNA na solução penetra nas células humanas, que passam a reproduzi-lo de forma semelhante. O sistema imunológico humano reconhece o organismo invasor e passa a produzir anticorpos para combatê-lo.
Para a produção da vacina, um pedaço da molécula de DNA do bacilo é retirado e inserido em plasmídeos especiais que permitem a sua multiplicação em larga escala em bactérias Escherichia coli. Esse plasmídeo recombinante carrega a mensagem da vacina como se fosse um disquete contendo um arquivo de computador: quando aplicadas em animais, as células do sistema imunológico conseguem reconhecer aquela mensagem transmitida pelo plasmídeo como se fosse um computador e ocorre a ativação da resposta imunitária. No DNA fica o código genético que codifica um antígeno o qual tem a potencialidade de induzir uma resposta imune “adequada, protetora e duradoura”, segundo Célio Silva. Quando aplicada em animais, a vacina de DNA induz a produção da proteína antigênica dentro de células do sistema imunológico, como os macrófagos e as células dendríticas. Essas células são conhecidas como células apresentadoras de antígenos e estão diretamente relacionadas com a estimulação da produção de anticorpos e ativação de linfócitos T. Os linfócitos T são fundamentais para o controle da tuberculose.
A vacina de DNA, segundo Célio Silva, é um método considerado “mais eficaz e seguro” do que o de vacinas convencionais, que inoculam vírus ou bactérias atenuadas na pessoa para obrigar o sistema imunológico a produzir anticorpos ou imunidade celular. Com a vacina de DNA não existe o risco de que a pessoa termine contaminada, ao contrário da vacina de organismos vivos como o BCG. As principais vantagens das vacinas de DNA são o custo e o tempo que se fica imune à doença. Enquanto vacinas de proteínas ou com vírus atenuados são obtidas por US$ 5 a dose, as de DNA saem a US$ 1. Quanto a imunidade, ela se mostra mais eficaz porque o sistema imunológico está sendo continuamente estimulado depois que a vacina é aplicada. Apesar dos benefícios, a vacina apresenta um risco. Ainda não se sabe se o segmento de DNA da bactéria é capaz de se incorporar ao cromossomo humano. Caso consiga, este segmento poderia passar a interagir com genes humanos, levando a conseqüências imprevisíveis.
A Farmacore, microempresa paulista de base biológica juntamente com o instituto Milênio de Pesquisas em Tuberculose (IMPT) e o Núcleo de Pesquisas em Tuberculose (NPT) da aculdade de Medicina de Ribeirão preto da USP, está desenvolvendo o DNA-hsp65, um biofármaco para imunoterapia da tuberculose que recebeu recursos da FINEP através da Subvenção Econômica. A cura da uberculose depende essencialmente do bom funcionamento do sistema imunológico que, comprometido em indivíduos infectados, consegue controlar a infecção e eliminar os bacilos. “A administração dessa vacina terapêutica muda o padrão de resposta imune nos indivíduos infectados, levando á cura”, conta Célio Lopes Silva, consultor científico da Farmacore. Como a vacina atua no sistema imunológico, não ocorre o desenvolvimento de bactérias resistentes (e aquelas que são resistentes aos medicamentos comuns também são eliminadas pelo sistema imunológico). É um processo inovador que tem a perspectiva de aumentar consideravelmente as chances de cura da doença.
A vacina está na fase de ensaios pré-clínicos, ou seja, em ratos e camundongos. Os testes em seres humanos devem começar em 2010 ou 2011. Segundo o médico o biofármaco pode se tornar a primeira vacina terapêutica do mundo, com a propriedade de curar os indivíduos infectados, doentes, pacientes com a bactéria resistente e pacientes coinfectados com tuberculose e AIDS: “o conceito é diferente da BCG, por exemplo, que é uma vacina preventiva para a tuberculose” explica Célio Silva. A previsão é de que a vacina esteja no mercado em quatro ou cinco anos.
O uso da imunoterapia para prevenção e tratamento da tuberculose tem surgido como excelente alternativa terapêutica e pesquisas nesta área vem sendo feitas por instituições internacionais como a OMS, a STOP-TB e a Bill gates Foundation. O DNA-hsp65 é ainda de fácil obtenção e pode ser formulado em sistemas de liberação em dose única. A Farmacore diz acreditar que a introdução deste produto no mercado trará ganho substancial para a sociedade, tanto do ponto de vista econômico, quanto do social, uma vez que a tuberculose age principalmente sobre os mais pobres e economicamente ativos (pessoas entre 15 e 50 anos). A OMS estima que a tuberculose atinja a um terço da população mundial e mate 5 mil pessoas por dia. Os países em desenvolvimento registram 95% dos casos e 98% das mortes pela doença. Só no Brasil são 128 mil novos casos por ano.
Fonte:
http://www.fapesp.br/ciencia435.htm
acesso em dezembro de 2001
Jornal do Brasil 21.09.2000 página 12 (Ciência) http://www.comciencia.br/reportagens/tuberc/tuberc1.htm
acesso em julho de 2002
Revista Inovação em pauta, n.2, maio de 2008 FINEP, p.55
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv. jsp?id=K4783847P6
acesso em abril de 2010