O Brasil está em vias de patentear seu primeiro anestésico. O novo remédio surgiu de uma pesquisa desenvolvida na Universidade de São Paulo (USP) e coordenada pela anestesista Maria Simonetti desde 1998. Por enquanto, o desenvolvimento do medicamento está em fase pré-clínica, ou seja, ele só foi testado em ratos. Simonetti acredita que ele será testado em breve nos primeiros pacientes humanos. Pela invenção Simonetti recebeu o o Prêmio Governador do Estado de 2002, concedido pelo Serviço Estadual de Assistência aos Inventores (Sedai), órgão da Secretaria da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo, em sua 28ª edição.
Trata-se de um anestésico local, ou seja, se aplicado na coluna vertebral, ele não induzirá o sono no paciente e sua ação se limitará às regiões que compreendem o abdome e os membros inferiores. Ele pode, por exemplo, ser usado em cesáreas ou operações envolvendo fraturas graves. O remédio chama-se simocaína (uma referência ao nome de sua criadora) e foi desenvolvido com a intenção de melhorar um dos anestésicos mais utilizados no mercado: a bupivacaína.
Para chegar ao produto de sua pesquisa, Simonetti primeiro observou a estrutura formadora da bupivacaína. Ela é composta de duas moléculas isômeras (com mesma fórmula química bruta, mas com propriedades distintas), sendo uma delas extremamente cardiotóxica. “Caso haja uma aplicação errônea do medicamento, o que é raríssimo, essas moléculas podem entrar na corrente venosa e ligar-se com firmeza ao coração”, explica a pesquisadora. “Se isso acontecer, a conseqüência pode ser até mesmo uma parada cardíaca.”
A bupivacaína normalmente apresenta 50% de moléculas cardiotóxicas e 50% de não nocivas. “Já se tentou reduzir a zero a quantidade de moléculas nocivas, mas isso compromete muito o dinamismo e a eficácia do medicamento, pois apesar de cardiotóxicos, esses isômeros têm função mais anestésica que os outros”, diz Simonetti. Para contornar o problema, a médica apenas diminuiu a quantidade de moléculas nocivas para 25%. “A fórmula de meu anestésico é simples: 75% de isômeros não nocivos e 25% de isômeros cardiotóxicos”.
Além de ter diminuído o risco de toxicidade, a médica afirma ter produzido um medicamento mais seguro, de ação mais duradoura e que se instala mais rapidamente que os anestésicos convencionais. “Por se tratar de um produto exclusivamente nacional, é de se supor que ele também seja mais barato.”
A simocaína é resultado de uma idéia aparentemente simples, mas que ninguém tinha pensado ainda. Recombinando isômeros bons e ruins, na proporção de 75% para 25%, respectivamente, Maria Simonetti obteve uma excelente anestesia com analgesia pós-operatória, sem nenhum impacto nocivo. “Os isômeros ruins são necessários para que o remédio seja eficaz”, enfatiza a pesquisadora. “A proporção de bons e ruins pode variar de acordo com o tipo de utilização a ser dada para a simocaína.”
As primeiras utilizações da simocaína em humanos foram realizadas no Rio Grande do Norte e no Rio de Janeiro, com a técnica epidural e com a técnica raquianestesia (injetada no canal medular), respectivamente. “Os resultados foram excelentes, pois nenhum paciente apresentou complicações neurotóxicas, situação onde podem aparecer efeitos colaterais, como paralisia definitiva”, explica Maria Simonetti. “A utilização da simocaína tem se mostrado mais eficaz e com maior número de vantagens com relação aos compostos atualmente utilizados, como a bupivacaína, que é uma mistura de 50% do isômero bom com 50% do isômero ruim, com alto potencial cardiotóxico.” Segundo a docente, as pesquisas iniciais em ratos (fase pré-clínica) mostraram que o anestésico raramente induz à convulsão, o que significa maior segurança para o paciente.
O processo de patenteamento da invenção, foi feito por meio do apoio da Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e de Atividades Especiais (Cecae), através do seu Grupo de Assessoramento ao Desenvolvimento de Inventos (Gadi). No final de 2001, a USP e a Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda. fecharam um acordo, estabelecendo co-titularidade dessa empresa na comercialização da simocaína, lançada no mercado com o nome Nova Bupi. Pelo acordo, a Cristália é a única empresa que pode produzir em escala industrial e vender o novo fármaco. Segundo Maria Simonetti, durante o desenvolvimento do anestésico a Universidade entrou com a infra-estrutura laboratorial (equipamentos e áreas de trabalho) e com a massa crítica – formada pela docente e por seus alunos e estagiários de pós-graduação, muitos dos quais já publicaram artigos científicos relacionados à simocaína no Brasil e no exterior — enquanto a Cristália forneceu a matéria-prima (isômeros) para as pesquisas, o que levou os participantes a chegarem a um acordo: cada um ficou com 50% de participação nos lucros líquidos advindos da comercialização do produto. “Como criadora do produto, receberei cerca de metade do que cabe à Universidade, ou seja, 25% sobre o total líquido das vendas”, informa Maria. “A outra metade será destinada ao desenvolvimento de novas pesquisas no Laled”.
O primeiro anestésico brasileiro, criado no Laboratório de Anestésicos Locais e de Estudo da Dor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, está à venda e ganhará até março de 2003 duas versões que permitirão o uso também no pós-operatório e na oftalmologia. A universidade e a pesquisadora que inventou o anestésico, a médica anestesiologista e professora de farmacologia da USP Maria dos Prazeres Barbalho Simonetti, 62, devem receber em 20 dias o primeiro retorno financeiro com a venda do produto. Batizado inicialmente de simocaína, por causa do sobrenome da pesquisadora, o anestésico (injetável e de uso hospitalar) ganhou o nome de novabupi -a matéria-prima do estudo foi a bupivacaína, um dos anestésicos de uso local mais utilizados no mundo.
Fonte: http://www.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n293.htm
http://icb.usp.br/~farmaco/simonetti.html
http://www.usp.br/agenciausp/bols/1998_2001/rede676.htm
acesso em fevereiro de 2002
http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2002/jusp626/pag07.htm
acesso em março de 2003
http://www.fenam.org.br/noticia.php?&PAGINA=63
acesso em setembro de 2003