O veneno da lagarta Lonomia obliqua possui um componente chamado lopap capaz de ativar o sistema de coagulação sangüínea. A constatação foi feita pelo bioquímico Cleyson Valença Reis durante pesquisa desenvolvida para o mestrado da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), sob orientação de Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, do Instituto Butantan. Cursando atualmente o doutorado, Reis está dando continuidade ao estudo. Três artigos, assinados pelo farmacêutico bioquímico Cleyson Valença Reis e outros membros da equipe e publicados nas revistas Lancet e Thrombosis Research em 1999 e junho últimos, coroam o trabalho de caracterização da proteína, que começou em 1996, na tese de mestrado de Cleyson.
A formação do coágulo sangüíneo ocorre ao final de um processo que, após um trauma, envolve uma série de reações em cascata. Essas reações ativam enzimas do plasma que em estado normal estão inativas. O lopap age ativando uma enzima envolvida nas reações finais desse processo, a protrombina, que é transformada em trombina. A trombina, por sua vez, é a enzima que transforma fibrinogênio em fibrina, coagulando o sangue.
“O lopap pode ser um novo tipo de molécula ativadora de protrombina”, define Cleyson Reis. Ele parece ser diferente de outras substâncias com a mesma função já conhecidas, como as que existem em alguns venenos de serpentes. Ele age diretamente na protrombina. A trombina formada acelera a ativação das proteínas iniciais do processo de coagulação, que acontece mais rapidamente. Com isso, todos os fatores de coagulação (substâncias presentes no plasma necessárias para a formação de coágulos) são usados. A ausência desses fatores faz com que o sangue se torne incoagulável. Esse quadro é chamado de coagulação intravascular disseminada ou coagulopatia de consumo. A substância na verdade, não age diretamente sobre os coágulos. “A lopap funciona por meio de um efeito inverso”, diz Chudzinski-Tavassi. A pesquisadora explica que a proteína da taturana ativa a protrombina, molécula que produz a enzima trombina e desencadeia a coagulação. A trombina transforma o fibrinogênio em fibrina, a estrutura básica dos coágulos. Tudo isso seria exatamente o efeito contrário ao desejado, mas o estímulo do lopap é tão violento que o organismo reage destruindo a fibra, acabando com seu estoque no sangue da vítima. Num envenenamento, podem ocorrer hemorragias internas que levam à morte. O uso controlado do lopap, porém, pode ter outro fim. “Em pequenas doses, ela pode servir para destruir coágulos”, afirma o pesquisador Cleyson Valença Reis.
As pessoas que entram em contato com a Lonomia obliqua apresentam dor de cabeça, febre, vômito, dor local e hemorragia. O tratamento existente para as vítimas da lagarta é o soro desenvolvido pelo Instituto Butantan. Um extrato é feito com as cerdas da L. obliqua e injetado em cavalos que produzem anticorpos para o veneno. O sangue do cavalo é retirado e dele é produzido o soro.
Quando os primeiros casos de contato com a L. obliqua surgiram no sul do Brasil, em 1989, pensou-se que o envenenamento fosse semelhante ao observado pela Lonomia achelous, lagarta que vive na Venezuela e cujo veneno teria ação fibrinolítica capaz de dissolver coágulos. O tratamento adotado era baseado em substâncias antifibrinolíticas, que impediam a quebra do fibrinogênio e da fibrina, protegendo assim os coágulos. Os pacientes brasileiros tratados com essas substâncias podem ter sua situação agravada, pois elas impedem a dissolução de coágulos, ao passo que, no envenenamento com L. obliqua, ocorre uma ativação do sistema de coagulação.
A lopap não é a única proteína animal conhecida com efeito anticoagulante, mas tem uma vantagem em relação a outras. Sua estrutura permite que ela seja produzida em grande escala, com a inserção de parte do DNA da taturana em bactérias. Elas funcionariam como uma “fábrica” da proteína. O veneno da víbora Echis carinatus, por exemplo, tem efeito semelhante, mas ainda não há uma forma eficiente de produzi-lo. O eventual uso da lopap em um remédio pode ainda estar longe, mas o Butantan e a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que financiou os estudos, já estão de olho no interesse da indústria farmacêutica. Um pedido de patente deve ser apresentado em breve.
Foram depositadas 2 patentes relativas ao Lopap, ativador de protrombina purificada da lagarta (taturana) Lonomia obliqua, uma em 2001 e a outra em 2004, frutos de pesquisas do gruipo da Dra Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, do laboratório de bioquímica, do Instituto Butantan, São Paulo. As patentes são de co-titularidade da FAPESP e do COINFAR, tendo como pesquisador chefe a Dra. Ana Marisa Chudzinski-Tavassi. Além das 2 patentes do Lopap, o grupo da Bioquímica liderado pela mesma pesquisadora, depositou mais uma patente em 2004, relativa a uma proteína do “carrapato estrela”, que além de atuar na coagulação sanguínea, possui ação sobre células tumorais de diversas linhagens e inclusive ação anti tumor de melanoma, in vivo.
As pessoas que entram em contato com a lagarta, além de terem dor de cabeça, febre, vômitos e dor local, também têm hematomas em várias partes do corpo. Cortes quase cicatrizados e até mesmo um simples furo na orelha voltam a sangrar. Podem ocorrer também hemorragias pelo corpo. Segundo os pesquisadores, pela análise dos vasos sangüíneos de ratos, o que explica o fato é que os trombos formados (coágulos) fazem com que pequenos vasos entupam e arrebentem, causando a hemorragia e os conseqüentes hematomas. A maioria das lagartas causa apenas reações alérgicas ao contato, pela injeção de líquido urticante, o que causa ardor e vermelhidão. “Essa é a defesa do animal”, diz Cleison Reis. Nove casos de morte devido ao contato com as lagartas foram registrados até 95 no Brasil, concentrados no Sul. As mortes pararam de ocorrer depois desse ano com a produção que o Instituto Butantan começou a fazer de um soro. “Mesmo sem entender o mecanismo de ação do veneno, passamos a utilizar o soro que neutralizava o efeito”, explica a bioquímica Ana Marisa. Outros 820 acidentes também foram registrados até 98.
A taturana Lonomia obliqua geralmente vive em grupo, alojada em troncos de árvores silvestres e frutíferas. “Por se mesclarem nos troncos de árvores, é muito comum as pessoas terem contato com muitas lagartas, principalmente nos braços, ao tentarem subir para pegar uma fruta, por exemplo”, diz a bioquímica Ana Marisa, referindo-se ao grande número de acidentes que envolvem várias taturanas. Antes do Brasil, já aparecia na Venezuela uma lagarta muito parecida com a brasileira e que gerava os mesmo sintomas pelo contato. Quando surgiram os casos de acidentes no Brasil, pensou-se que era a mesma que já existia na Venezuela; o tratamento médico também era igual. Na Venezuela, as lagartas injetavam substâncias que dissolviam coágulos. Por isso, tratava-se o problema com drogas que os “protegiam”. A diferença é que as taturanas do Sul do Brasil, a Lonomia obliqua, eram de outra espécie, que fazia justamente o sangue coagular mais. O estudo revelou, então, que utilizar o remédio usado pelos venezuelanos para os casos brasileiros agrava a si tuação dos pacientes, pois a droga acentuava ainda mais a coagulação. “Os casos eram tratados assim, mas nunca tivemos conseqüências graves porque as doses que os pacientes tomavam eram pequenas, até mesmo por receio dos médicos”, diz Ana Marisa.
Fonte:
http://www.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n170.htm
http://www.trilhaseaventuras.com.br/noticias/news.asp?noticia=996
acesso em janeiro de 2002
http://www.usp.br/agen/bols/1998_2001/rede760.htm
http://www.butantan.gov.br/infcient_labbqbf.htm
http://www.unifesp.br/comunicacao/jpta/ed144/pesqui4.htm
http://geocities.yahoo.com.br/elnamugrabi/taturana.htm
acesso em junho de 2005
Agradeço a Ana Maria Chudzinski (amchudzinski@butantan.gov.br) pelo envio de informações em junho de 2005 para composição desta página