A luz concentrada, conhecida como feixe de laser, prepara-se para ganhar mais uma utilidade na medicina. Depois de ter conquistado, por exemplo, a cirurgia de olhos e de varizes, o avanço, agora, é no interior do corpo humano como auxiliar no diagnóstico e no tratamento de doenças cardíacas e até de câncer nas mucosas do trato digestivo e das vias respiratórias. Tecnologias para chegar a esses usos estão em desenvolvimento em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde, em São José dos Campos, um cateter de fibra óptica que serve para transportar a luz laser dentro das artérias foi desenvolvido no Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento (IPD) da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), sob a coordenação do professor Renato Amaro Zângaro, diretor da Faculdade de Ciências da Saúde. O instrumento permite que a luz laser identifique e restaure possíveis entupimentos de artérias e elimine tumores em uma fração de segundo. Pronto e testado em laboratório e em animais, o cateter aguarda o início dos testes em humanos. Renato Amaro Zângaro, engenheiro elétrico, titulou-se doutor pela Université de Montpellier (França) e fez pós-doutorado no Massachussets Institute of Technology (MIT – Estados Unidos) na área de Engenharia Biomédica. É professor-pesquisador da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), onde também exerce, atualmente, o cargo de Diretor da Faculdade de Ciências da Saúde. O prof. Zângaro também preside a Comissão Organizadora do XVIII Congresso Brasileiro de Engenharia Biomédica (CBEB’2002), que acontecerá entre 9 e 12 de setembro de 2002, em São José dos Campos, no campus Urbanova da Univap.
Técnicas baseadas em espectroscopia Raman e espectroscopia de Fluorescência também conhecidas por “biópsia óptica”, vem se revelando como potenciais substitutas da histologia convencional em um futuro próximo. Trata-se de uma forma de análise espectral, seguida de um processamento via software que permite identificar a natureza de depósitos ocorridos junto às paredes coronarianas. O acesso das diversas regiões do corpo pela radiação laser e a coleta do sinal gerado junto ao tecido, sem prejuízo para a relação sinal/ruído, tem se mostrado um dos grandes obstáculos tecnológicos para que esta técnica se estabeleça definitivamente no campo clínico. Os caracteres à fibra óptica utilizados para diagnóstico de diversas patologias na área médica apresentam certas particularidades que dependem da técnica utilizada, como também da região a ser tratada.
No presente caso, ou seja na diagnose de coronariopatias in vivo, busca-se identificar anomalias na parede das artérias. Nestes casos, a única configuração possível para a obtenção do diagnóstico das paredes arteriais é aquela em que o cateter deslocando-se pelo interior da artéria, consegue visualizar a parede arterial através de uma visada lateral. Esta proposta baseia-se no estudo dos diferentes parâmetros que envolvem um cateter à fibra óptica, de forma a projetar e construir um cateter com visada lateral que permita excitar com radiação laser uma parede coronariana interna e coletar de maneira eficiente o espalhamento Raman gerado pelo mesmo tecido. Este cateter deverá integrar um equipamento que se encontra em estágio de construção, possibilitando num primeiro momento, o diagnóstico e, num segundo estágio, a destruição das placas formadas, com a máxima segurança possível para se evitar perfuração das artérias.
O projeto Cateter à Fibra Óptica para Diagnóstico de Placas Ateromatosas no Sistema Cardiovascular é realizado em parceria com a Tecnobio, empresa especializada na fabricação e distribuição de equipamentos médicos. A nova técnica foi concebida, em princípio, para substituir o tradicional cateterismo, exame para diagnóstico de obstruções nas artérias coronárias. Ela consiste em um cateter de fibra óptica com visão lateral acoplado a um espectroscópio, aparelho que emite a luz e permite ao médico avaliar minuciosamente as condições do tecido arterial. Com ele, identificam-se pequenas alterações celulares e a formação de ateromas (depósito de material gorduroso dentro das artérias), cuja evolução pode obstruir a passagem do sangue, causando um infarto do miocárdio. Facilitador de um diagnóstico precoce, o novo cateter também permite que, no mesmo procedimento, o laser seja acionado para tratar a área afetada, pulverizando o material ali acumulado.
Além do cateter para diagnóstico coronariano, Zângaro coordenou outro projeto que resultou em uma inovação tecnológica no cateter desenvolvido na Univap. Com uma pequena modificação na extremidade, o cateter foi adaptado para diagnosticar câncer no cólon retal. A emissão do laser e a coleta da resposta emitida pelos tecidos são feitas por um espectrofluorímetro, equipamento também gestado na Univap, com financiamento da FAPESP, no âmbito do programa de auxílio-pesquisa, por meio do projeto Espectrofluorímetro Multilinhas para Diagnóstico Precoce do Câncer. Com a colaboração do Hospital do Câncer, onde 30 pacientes passaram pelo novo exame, o equipamento apresentou ótimos resultados segundo Zângaro. A possível vantagem do novo sistema será a eliminação dos exames de biópsia, não sendo mais necessário retirar uma amostra do tecido do paciente para obter o diagnóstico completo. O novo aparelho mostra o resultado na hora, por meio de gráficos que demonstram a presença de porfirinas (substâncias fluorescentes), normalmente presentes em tecidos cancerígenos.
Se houver um tumor, por exemplo, a diferença das frequências desse tecido doente para um normal será mostrada em um gráfico. No exame cardíaco, o cateter também poderá analisar a natureza do material depositado na parede arterial e identificar os vários estágios de desenvolvimento de um ateroma. Com o laser será possível um diagnóstico que localiza e analisa as obstruções, sem a necessidade da visualização das artérias por raios X, como se faz hoje, mediante a injeção de uma substância que apresente contraste na corrente sanguínea. O equipamento usado no novo exame é o espectroscópio Raman, aparelho que coleta dados para análise bioquímica de tecidos in vitro. “Quando acoplado ao cateter de fibra óptica, essa análise do tecido pode ser feita diretamente no paciente, com resultado instantâneo”, explica Zângaro. Os procedimentos médicos para o diagnóstico são semelhantes ao cateterismo, mas os resultados são bem mais precisos: o equipamento permite identificar quais as moléculas presentes no ateroma. Segundo o pesquisador, isso traz uma grande vantagem para o médico, que poderá determinar o tratamento de acordo com o material observado, inclusive com o disparo do laser para remover possíveis obstruções. Esse procedimento de destruição dos ateromas, chamado ablação, promete ser mais eficiente que o usado atualmente. Segundo o pesquisador, a pulverização com laser é capaz de reduzir o ateroma a partículas minúsculas, eliminando o risco de obstrução em algum ponto mais adiante na artéria, como pode ocorrer com o usual rotoablator, que funciona de forma semelhante a um triturador. Zângaro esclarece também que o diagnóstico a laser pode evitar outro tipo de acidente. “Durante o cateterismo, a simples introdução do cateter pode ser suficiente para deslocar um trombo ou coágulo, provocando uma obstrução grave. Mas com o cateter à fibra óptica isso pode ser evitado, pois ele permite visualizar e pulverizar o coágulo antes da passagem do cateter”, afirma. Um exame coronariano não é coisa simples. Os procedimentos geralmente envolvem muitos riscos, que precisam ser reduzidos ao máximo. Por isso, só o projeto de desenvolvimento do cateter esbarrou em algumas dificuldades. A primeira delas foi em relação à flexibilidade.
“O cateter precisa ser muito flexível para não ferir as paredes da artéria, o que poderia provocar uma inflamação no local”, explica Zângaro. Ele é composto de sete fibras: uma central, que leva o laser até o tecido, e seis ao seu redor, que coletam a resposta luminosa emitida pelo tecido. A tecnologia de montagem (junção das fibras, colagem e cobertura em poliuretano) foi fruto da parceria com a Tecnobio. Outra dificuldade do projeto foi identificar, dentre os tipos de fibra existentes no mercado, geralmente usadas em telecomunicações, aquele que apresentasse o maior grau de pureza. Produzidas em sílica, as fibras apresentavam impurezas que interferiam no sinal coletado pelo aparelho. Esses ruídos poderiam mascarar a leitura do sinal emitido pelo tecido, prejudicando o diagnóstico. Devido ao custo do cateter, em torno de US$ 1 mil , foram necessários também vários testes para aumentar a vida útil do instrumento sem que isso implique qualquer risco de contaminação para os pacientes. Segundo Zângaro, a expectativa é que o cateter possa ser usado em até dez exames. A comercialização desse produto vai ficar por conta da Tecnobio, mas ainda depende da obtenção do registro junto ao Ministério da Saúde. Existem vantagens também no uso do cateter para diagnóstico de câncer do cólon retal. Por ser capaz de diagnosticar casos de hiperplasia e adenoma, estados que podem ser pré-cancerosos, a expectativa do pesquisador é que esse tipo de exame venha a se tornar rotina, integrando a lista dos exames preventivos.
Fonte: http://www.fapesp.br/tecnolog597.htm
Acesso em maio 2002
http://watson.fapesp.br/PITE/Engenharias/engbio03.htm
http://www.terra.com.br/istoegente/76/reportagem/rep_renato_amaro_zangaro.htm
http://www.gpeb.ufsc.br/revista/arquivo/entrevista_dez01.html
Acesso em abril 2003