Um experimento pioneiro foi realizado em dezembro de 2001 por médicos do Pró-Cardíaco em convênio com a Universidade Federal do Rio de Janeiro e Instituto do Coração do Texas. Os médicos retiraram células-tronco da medula óssea dos pacientes e reintroduziram em vários pontos deficientes do coração por meio de um cateter. O objetivo era testar a capacidade de as células-tronco – que podem se transformar em vários tipos de células especializadas – de restaurar artérias e recuperar o coração de seres humanos. Segundo os médicos, dos quatro pacientes, dois conseguiram recuperação de 100%, um teve melhora de 60% e apenas um deles não obteve resultado significativo. Com o sucesso dessa primeira etapa, os pesquisadores pretendem ampliar o estudo e testar o método em pacientes menos graves. A tese dos médicos é que a capacidade de regeneração deve ser maior em pacientes com grandes áreas do coração ainda vivas. “Essa é uma hipótese razoável que queremos testar no futuro”, explicou Radovan Burojevic, francês de origem croata e há 30 anos radicado no Brasil, professor de histologia da UFRJ e responsável por várias pesquisas com células-tronco.
Os cientistas garantem que é a primeira vez no mundo em que uma equipe comprova a eficácia de células-tronco adultas, capazes de originar outros órgãos do corpo, na reconstituição dos tecidos cardíacos. Pesquisas semelhantes estão em curso em Hong Kong e Washington, mas esta é a primeira vez que se constatou melhoria da função cardíaca em imagens feitas por um aparelho de mapeamento elétrico e mecânico do coração. A técnica é baseada no uso de células-tronco (células capazes de gerar quase todos os tipos de tecido) retiradas da medula óssea do próprio paciente. Uma punção de aproximadamente 40 mililitros de medula foi feita com anestesia local na área da bacia. A equipe da UFRJ, coordenada pelo professor Radovan Borojevic, selecionou as células-tronco encontradas no líquido, obtendo uma solução concentrada desse tipo de célula. Esse concentrado (aproximadamente três mililitros) foi injetado no coração dos pacientes por meio de um cateter introduzido a partir da artéria femoral, na virilha. O cateter tem um sensor na extremidade capaz de indicar as áreas sadias, mortas ou doentes (isquêmicas, onde a circulação é ruim) do coração, num tipo de procedimento que está sendo testado pela equipe do Texas Heart Institute, coordenada pelo médico brasileiro Emerson Perim. Num vídeo, os médicos acompanham as imagens do coração. Segundo Emerson Perim, do Texas Heart Institute, o equipamento utilizado para o implante e avaliação dos resultados oferece uma imagem tridimensional do coração e foi desenvolvido pela Johnson & Johnson. Com um custo de cerca de 200 mil dólares, o aparelho usado na experiência foi fornecido pela empresa. Outro parâmetro de avaliação utilizado pelos especialistas foi a cintilografia. Na experiência, os médicos optaram por injetar as células-tronco apenas nas áreas doentes. Eles deram, no mesmo procedimento, 15 injeções de 0,2 mililitros cada nas regiões onde a circulação era insuficiente. Exames posteriores mostraram que as células-tronco induziram a formação de novos vasos sanguíneos.
“Como as células-tronco são retiradas do próprio paciente, também não há risco de rejeição” lembrou Radovan Borojevic. O procedimento todo dura de três a quatro horas. Para a pesquisa, os médicos mantiveram os voluntários internados por 48 horas, mas acreditam que apenas 24 horas seriam suficientes. Os pesquisadores estimam que sejam necessários ainda mais dois anos de estudo para que a técnica esteja disponível no mercado.
As células-tronco são células mais primitivas capazes de dar origem a qualquer tecido do organismo. Quanto mais primitiva a célula, maior sua capacidade de transformação. Essas células estão presentes no embrião em desenvolvimento, mas existem em número muito inferior em adultos – as células-tronco que não são de embriões têm capacidade de diferenciação limitada. As células-tronco da medula óssea são responsáveis pela produção das células do sangue. Todavia, recentemente descobriu-se que na medula óssea também há células-tronco primitivas o suficiente para originar toda uma gama de tecidos, como células do coração, do sangue, dos ossos, de cartilagem e de tecido conjuntivo. Esse grupo celular é o alvo da equipe de Borojevic, que tem obtido bons resultados em experiências com animais. A meta é obter cardiomiócitos, as células do coração.
A alma do estudo está em obter as substâncias corretas para estimular as células-tronco da medula óssea a se transformar em cardiomiócitos. Uma das dificuldades é encontrar um bom meio de cultura. Atualmente, usam-se células de feto bovino para fazer as células humanas proliferarem, mas ainda não se tem certeza de que as células obtidas serão 100% livres do risco de transmissão de qualquer doença. No entanto, as promessas da técnica são significativas. Em primeiro lugar, trata-se da primeira terapia para uma complicação potencialmente mortal. Em segundo, não há risco de rejeição, uma vez que as células são do próprio paciente. Borojevic diz que o problema da falta de número suficiente de células-tronco será suprido no futuro quando as pessoas começarem a guardar os cordões umbilicais dos bebês. Eles podem ser armazenados por toda a vida e são ricos em células-tronco.
Já existem empresas especializadas em oferecer o congelamento e armazenamento (feito em nitrogênio líquido) das células tronco no sangue do cordão umbilical. A coleta, congelamento e armazenamento destas células só podem ser feito na hora do parto. Em caso de eventual necessidade, como no caso do tratamento de doenças como leucemias, linfomas e mielomas (doenças para cujas terapias é indicado o transplante de medula óssea), será possível usá-las sem risco de rejeição. O sangue contido no cordão umbilical e na placenta, rico em células tronco, é normalmente descartado após o parto. Embora tais células possam ser coletadas diretamente da medula óssea, sua coleta é extremamente traumática, exigindo anestesia geral e um processo cirúrgico, além do que dependendo da doença tais células poderão estar comprometidas, enquanto que a coleta do sangue do cordão umbilical não oferece qualquer risco ao bebê ou a mãe.
Essa linha de pesquisa é considerada uma das mais promissoras da medicina e mobiliza cientistas em todo o mundo. As sementes polivalentes são encontradas em diversas partes do organismo adulto. Já foram identificadas no cérebro, na medula óssea, na retina, nos músculos das pernas, nas células adiposas e até no couro cabeludo. Os pesquisadores investigam o potencial das células-tronco retiradas de indivíduos adultos. Tentam reverter males como Alzheimer, Parkinson e lesões na medula. Mas eles têm deparado com a dificuldade de multiplicá-las em grande quantidade e criar a variedade de tecidos necessária. Células fetais parecem mais adequadas a esse fim. Envolvem, porém, o controverso descarte de embriões armazenados em clínicas de fertilização.
Para entender as dificuldades que envolvem este tipo de pesquisa é preciso saberum pouco mais sobre a natureza das células tronco e as meniras de obtê-las – retirá-las dos embriões nos estágios iniciais de desenvolvimento, ou da medula óssea de adultos. Assim como nas pesquisas em camundongos, pra trabalhar com células embrionárias de humanos é preciso destruir os embriões ainda não implantados no útero. Isto pode ser conseguido por meio dos excedentes das clínicas de fertilização – durante o processo são gerados até oito embriões, dos quais apenas dois ou três são transferidos para o útero da mulher que quer engravidar. O restante pode ser congelado ou descartado. A utilização em pesquisas das células-tronco retiradas dos embriões descartados é controlada em muitos países, pois para algumas religiões isso significa destruir vidas. O arcebispo Tarcísio Bertone, secretário da Congregação do Vaticano para a Doutrina da Fé, afirmou que a clonagem de embriões é um assassinato. “Aquele embrião será sacrificado para que sejam coletadas células. Do ponto de vista ético, é como pôr fim a uma inocente vida humana”, disse. A declaração da Santa Sé reitera os ensinamentos da Igreja Católica de que a vida começa no instante da concepção e que a clonagem é, portanto, uma violação da vida. Nos EUA, o governo George Bush proíbe o uso de recursos federais nesses experimentos. Além de vencer os obstáculos morais, os cientistas ainda têm o desafio de adaptar às células-tronco embrionárias humanas as condições de purificação e diferenciação das experiências em cobaias. Também precisarão desenvolver maneiras de diminuir os riscos de rejeição nos pacientes que receberão estas células, problema de qualquer transplante, principalmente entre doadores e receptores sem nenhum parentesco.
A outra maneira de obter células-tronco embrionárias – também controladas pelos mesmos motivos religiosos – seria a polêmica clonagem terapêutica, pela qual é possível criar um embrião a partir de uma célula do próprio paciente. “A técnica é a mesma utilizada para clonagem reprodutiva, mas os fins são totalmente diferentes. Em vez de transferir o embrião para o útero da mulher, ele iria para um meio de cultura no laboratório, de onde seriam extraídas as células-tronco embrionárias. Utilizando-as para a regeneração de tecidos danificados, o risco de rejeição sumiria”, esclarece a geneticista Lygia da Veiga Pereira, do centro de Estudos do Genoma Humano do Instituto de Biociências da USP. Uma alternativa eticamente viável são as células-tronco adultas. Presentes nos diferentes tecidos que compõem nosso organismo, são elas as responsáveis pelas constantes regenerações que ocorrem nesses locais ao longo da vida. A desvantagem em relação às embrionárias é que elas são raras, difíceis de identificar, purificar e cultivar em laboratório. Há pouco tempo os cientistas acreditavam que elas só poderiam originar células especializadas dos tecidos em que se encontram. As últimas pesquisas, no entanto, sugerem que pelo menos as células-tronco da medula óssea – sua principal fonte – que dão origem ás células do sistema sanguíneo, também podem ser programadas para reconstituir outros tecidos. A descoberta mais animadora em relação ao seu potencial foi publicada no final de junho de 2002 na prestigiada revista científica britânica Nature.
Fonte:
http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2002/04/30/ger016.html
http://www.hcaa.com.br/internet/principal/noticias/celula_tronco.htm
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http://www.jornal.ufrj.br/newsletter/anteriores/news85.html
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Acesso em julho de 2002
http://www1.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u5412.shtml
http://www.cryopraxis.com.br
Acesso em dezembro de 2002
Revista Galileu setembro de 2002 páginas 16
http://www.venturecapital.com.br/vcn/vf4_GN.asp
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Acesso em agosto de 2003
http://www.extracta.com.br/radovan.htm
Acesso em junho de 2005