Os materiais vitrocerâmicos surgiram há pouco mais de 40 anos. Eles são produzidos a partir da cristalização controlada de materiais vítreos. A cristalização controlada é um fenômeno que ocorre quando o vidro, contendo um agente nucleante dissolvido (óxido de titânio, óxido de fósforo, óxido de zircônio, prata, ouro, etc.), é submetido a temperaturas que variam de 500 a 1.100 graus centígrados. Como resultado desse processo, ele se transforma num novo material, dotado de características diferenciadas.
“Os materiais vitrocerâmicos são lisos e muito mais resistentes do que o vidro. Além disso, eles podem ter baixa condutividade elétrica e dilatação térmica próxima ao zero”, explica o engenheiro de materiais Edgar Dutra Zanotto, coordenador do LaMaV e responsável pelo desenvolvimento dos novos produtos. As vantagens dessas qualidades são que esses materiais funcionam como isolantes elétricos, característica necessária aos substratos de discos rígidos, por exemplo, e podem ser usados em situações onde a dilatação do vidro provoca prejuízos ao bom funcionamento do equipamento, como no caso dos telescópios ou placas de fogões.
A mais recente das invenções do laboratório da UFSCar – com patente sendo redigida – é uma vitrocerâmica muito parecida com o mármore e o granito e mais resistente que esses materiais. Ela poderá ser usada na fabricação de vários produtos que compõem uma casa: pisos, azulejos e lavatórios. Por enquanto, oLaMaV domina a tecnologia para fabricação de peças pequenas, medindo 15 por 15 centímetros, mas está desenvolvendo outras maiores. No mundo inteiro, apenas a empresa japonesa Nippon Electric Glass fabrica e comercializa um produto similar, ao preço aproximado de US$ 500 o metro quadrado, mas com composição química totalmente distinta das estudadas no LaMaV. “Ainda não sabemos quanto custará o nosso produto. O preço será definido na etapa de produção, mas certamente será bem mais barato”, explica o coordenador do LaMaV.
Em outra linha de estudo dos pesquisadores da UFSCar, o objetivo é desenvolver peças vitrocerâmicas que possam substituir ossos humanos. O primeiro exemplar de uma biovitrocerâmica foi criado em meados dos anos 90 numa parceria com a Universidade da Flórida, Estados Unidos. Trata-se de um material empregado na fabricação de dentes artificiais e pequenos ossos do ouvido, como o martelo, o estribo e a bigorna. Em pó, ele pode ser usado para recompor cavidades dentárias. No final da década passada, a patente (EP 896572-A1, WO9741079-A1, US5981412) foi licenciada à empresa American Biomaterials, dos Estados Unidos. “No processo de patenteamento, por ingenuidade, fomos identificados apenas como os inventores do produto e não os titulares – aqueles que são os detentores dos direitos sobre a patente – que é a Universidade da Flórida”, afirma Zanotto. “Nunca recebemos um tostão de royalties “, lamenta o pesquisador.
A criação desses novos materiais revela a importância das pesquisas conduzidas por Zanotto e sua equipe. “Nosso laboratório tem 25 anos de atividades e uma filosofia de trabalho bem definida”, diz o pesquisador. “Acreditamos ser possível realizar pesquisa básica de bom nível e aplicar métodos similares ao desenvolvimento de tecnologia. Queremos avançar as fronteiras do conhecimento e inovar no setor de vidros e materiais correlatos.” Para atingir seus objetivos, o LaMaV tem estabelecido estreita cooperação com indústrias. Nada menos que 18 projetos de pesquisa e desenvolvimento foram realizados nos últimos 20 anos em conjunto com diversas empresas, entre elas Pirelli, Usiminas, Companhia Baiana de Pesquisas Minerais (CBPM) e Alcoa.
Como é comum na história da ciência, os materiais vitrocerâmicos foram descobertos por acaso. No final dos anos 50, o pesquisador norte-americano Donald Stookey, da empresa Corning Glass, conduzia pesquisas com vidros fotocromáticos, desses que escurecem com a luz – pois têm minúsculos cristais de prata dispersos -, quando percebeu que havia deixado, por esquecimento, um par de lentes de óculos durante toda a noite num forno aquecido. Essas lentes ficaram opacas, completamente cristalizadas, pois haviam se transformado em outro material, muito mais resistente, que ele acabou chamando de vitrocerâmica ( glass-ceramics ). Nesse caso fortuito, a prata atuou como agente nucleante.
De lá para cá, dezenas de empresas e laboratórios espalhados pelo planeta vêm estudando novas composições e formas de produção desses materiais, que se mostraram úteis em diversas aplicações. Os espelhos dos telescópios Gemini (Chile e Havaí, EUA) são feitos de vitrocerâmica, assim como a superfície de modernos fogões elétricos, que não têm chama e nem fogo, apenas círculos onde são colocadas as panelas ou o próprio alimento. Fogões desse tipo já são fabricados pelas empresas Bosch, Siemens e Jung, de Blumenau (SC), que importa o material vitrocerâmico.
Além da criação de materiais inovadores, os cientistas da UFSCar também pesquisam um novo processo de fabricação de vitrocerâmicas, conhecido por sinterização com cristalização controlada. Sinterizar significa unir várias partículas por aquecimento. Nesse caso, a formação da vitrocerâmica não necessita de agentes nucleantes como acontece no processo tradicional de obtenção desse material. A sinterização com cristalização controlada, portanto, não demanda a adição de uma nova substância que atue como catalisador. Partículas de impurezas e defeitos presentes na própria superfície do vidro fazem o papel do agente nucleante. Zanotto explica: “Observamos que na cristalização descontrolada o processo de transformação do vidro começa na superfície e concluímos que ali existem partículas e falhas cujo efeito é semelhante ao dos agentes nucleantes.”, conta Zanotto.
A partir dessa conclusão, os pesquisadores do LaMaV moeram o vidro para que o pó resultante contivesse essas partículas superficiais. “Esse foi o pulo do gato de nossas pesquisas”. Pode parecer simples, mas na prática é muito difícil. Os pesquisadores levaram sete anos para desvendar os segredos da sinterização com esse tipo de cristalização, chamada de concorrente. A sinterização deve ocorrer no início do processo e só no final é que deve começar a cristalização. “Temos um projeto temático, com complexas simulações computacionais, tentando entender e controlar a competição entre sinterização e cristalização”, afirma Zanotto. Segundo ele, a sinterização com cristalização concorrente é um processo alternativo para fabricação de vitrocerâmicas e, em certos casos, pode ser mais rápido e barato.
Com os resultados dos estudos produzidos pela equipe do LaMaV, o laboratório tornou-se um dos mais conceituados centros mundiais de pesquisa em sinterização para produção de materiais vitrocerâmicos. Apenas alguns outros grupos conseguiram chegar aos resultados alcançados pelos pesquisadores da UFSCar: por exemplo, uma equipe do laboratório BAM, de Berlim, na Alemanha, um grupo ligado à Academia de Ciências da Bulgária e a empresa japonesa Nippon Electric Glass. “Todos esses pesquisadores têm feito, paralelamente a nós, importantes descobertas sobre o fenômeno da sinterização e cristalização controlada”, afirma o pesquisador.
Fonte:
http://revistapesquisa.fapesp.br:2222/transform.php?xml=4/0/20020604/20020676/pt/
SEC7_2.xml&xsl=xsl/pt/article.xsl&transf=normal&id=SEC7_2&lang=pt
http://www.abc.org.br/gina/curriculo.asp?lingua=P&consulta=ezanotto
acesso em junho de 2002
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