Takeshi Imai em 1971, um engenheiro mecânico, casado, de 51 anos, tornou-se conhecido em todo o País – foi considerado herói nacional em uma reportagem da revista “Veja” – por ter inventado uma tecnologia de combate à ferrugem nas plantações de café, o principal produto de exportação brasileiro na época. A invenção, além de notoriedade, rendeu muito dinheiro à Hatsuta Industrial Ltda; empresa fundada em 1964 por Imai e seu pai, em um fundo de quintal, em São Paulo. Entre 1973 e 1974, a Hatsuta ficou em primeiro lugar no seu ramo de atividade, no levantamento das maiores e melhores empresas do País, feito anualmente pela revista “Exame”. Em 1975, ele foi capa de uma reportagem da revista.
Sem talento e vocação para contatos na área comercial, Imai sempre se dedicou, na direção da Hatsuta, à àrea técnica e à invenção de novos produtos. “Não sou um comerciante, sou um técnico, sem jogo de cintura”, declarou na CPI do esquema PC no Ministério da Saúde em 1992, ao descrever a repugnância que sentiu ao sofrer a tentativa de achaque pelo esquema PC. Uma de suas invenções foi uma motosserra capaz de derrubar jacarandás de 150 anos em três minutos, que ele acabou desistindo de produzir, apesar das boas perspectivas comerciais do produto. “Desisti do negócio, porque percebi que era uma grande covardia derrubar florestas”, explicou.
A oportunidade surge da crise, desde que se tenha coragem para mudar radicalmente. É o que está acontecendo com a Hatsuda Industrial S. A., onde a ameaça de falência fez com que o empresário Takeshi Imai implantasse o que ele chama de um modelo brasileiro de administração participativa, na qual os funcionários detêm 25% das ações e ajudam a criar soluções para os impasses da corporação. As medidas são inspiradas no sistema vigente no Japão, que libera uma força produtiva agressiva e bem-sucedida, chegando a assustar os americanos, obrigando-os a adotar uma série de medidas protecionistas. Para implementar sua revolução, Takeshi rompeu com os sócios, reduziu o próprio salário para um terço, vendeu bens para pagar os funcionários, eliminou níveis hierárquicos, demitiu a maioria do pessoal administrativo, vestiu macacão e estabeleceu processos produtivos em que as ordens de serviço por escrito são desnecessárias e, na conversa, pode-se chegar a importantes resultados. As mudanças foram tão profundas que a mãe de Takeshi chegou a perguntar se ele estava bem da cabeça. Ela temia pelo futuro do empreendimento, fundado pelo pai de Takeshi, engenheiro-agrônomo, que importava máquinas agrícolas do Japão e montou uma pequena revendedora, logo transformada em fábrica em 1964. A empresa cresceu rapidamente, porque a ferrugem atacava os cafezais paulistas e os pulverizadores da Hatsuda passaram a ser disputados. Mas o problema da sazonalidade levou a empresa a procurar diversificar seus produtos. Aí começaram os problemas. Takeshi relata toda a sua experiência no depoimento a seguir.
“A solução para a sazonalidade foi partir para uma produção industrial participativa, e o mercado de motocicletas pareceu um bom caminho. Viajei para o Japão, e a Honda interessou-se pela formação de uma ‘joint venture’, onde o controle acionário seria japonês. O governo brasileiro da época impediu a negociação, argumentando que a Hatsuda não poderia ser desnacionalizada. Eram as regras dos idos de 1972/73 e, por isso, entramos em contato com outro fabricante de motos, a Suzuki, que aceitou tornar-se minoritária na negociação sob a condição de que a Honda japonesa não se instalasse no Brasil. O governo, em princípio, atendeu o pedido da Suzuki, mas, quando a associação estava concluída, os diretores da Suzuki foram informados de que a Honda passava a operar no Brasil, inicialmente na Zona Franca de Manaus. O acordo que tínhamos foi desfeito, pois a Suzuki sentiu-se traída no processo e a Hatsuda, até então uma das principais empresas do setor de implementos agrícolas do País, teve que amargar uma dívida enorme e um parque industrial com grande capacidade ociosa.
Discuti uma solução com meus sócios e mais uma vez fui buscar resposta no Japão. Mas essa resposta afastou os sócios, pois propus simplesmente que os funcionários ficassem com um quarto das ações e que a partir daí todos poderiam participar das decisões e até dos lucros. Em 1967, a tentativa dos nossos administradores de resolver o problema da empresa não deu certo e todo mundo resolveu salvar o que podia para depois puxar o carro. Pensei comigo: tenho meus bens hipotecados, meu apartamento, um pequeno terreno no interior do estado, a casa da minha mãe. Os outros diretores não tinham mais nada hipotecado, já se tinham livrado de qualquer problema. Se a empresa quebrar, eu perco tudo, por isso mesmo resolvi começar de forma diferente, fazendo aquilo que sempre achei bonito e certo e nunca apliquei.”
“Começamos a fazer uma experiência grupal maravilhosa: quatrocentas pessoas pensando juntas em como descobrir o caminho brasileiro, um modelo para salvar os seus empregos para poder sonhar com alguma coisa. Num dos primeiros atos, eliminei quase todos os resquícios de autoridade de um diretor, vendendo meu Opala Diplomata e uma lancha para pagar o primeiro mês de salários. Desarmamos as salas de gerentes de administração, antessalas e tudo o mais, quer dizer, deixamos um salãozinho aberto. A hierarquia passou a ser um problema absolutamente secundário, pois havia lideranças naturais. Cheguei à conclusão de que a coisa mais parecida com a Toyota japonesa no Brasil é a escola de samba. Veja bem: há certa hierarquia, mas formada por lideranças naturais e todos sabem bem a sua função, trabalham em harmonia, estão coesas no objetivo de fazer o melhor e, se algum individualista colocar em risco o trabalho de grupo, será naturalmente excluído da turma.
Sentimos que, quando acabam os jogos do poder, começa a fluir simplesmente a verdade, o companheirismo, a verdade sincera. E, nesse ambiente, começa a brotar uma coisa importante, a criatividade grupal. Logo começaram a surgir idéias fantásticas para que a empresa pudesse salvar-se. Algumas das ideias, as mais brilhantes, são de conhecimento público. Um funcionário, por exemplo, sugeriu que trocássemos comida por implementos agrícolas, pois atravessávamos a crise brava do Plano Cruzado e não queríamos despedir ninguém. Chegamos a situações em que a empresa não conseguia pagar a folha e comprar matéria-prima, e o pessoal sugeriu pagar 30% dos salários, efetuar a compra e acelerar a produção. Isso pode gerar duplicata, fazemos o desconto e pagamos o restante da folha. Um dos frutos da administração participativa que surgiu no papo informal depois do expediente foi a invenção da ‘walk machine’, um patinete motorizado que está sendo comercializado pelo Mappin e que possui enormes chances de ser exportado. Um japonês visitou-nos recentemente e se perguntou por que eles não tinham tido essa ideia antes, já que o Japão tem o mercado certo para o produto. Respondi que, com certeza, o brasileiro é mais criativo.”
“Tinha que salvar a empresa, mas sabia que não conseguiria pelos métodos tradicionais, por isso optei pelo não convencional, por pura necessidade. Isso aconteceu numa época em que os salários estavam noventa dias atrasados e o sindicato estava na porta improvisando uma assembleia. Convidei todos para discutir dentro da empresa, e eles toparam. Lá dentro, criticavam o patrão, e eu pedia a palavra. No final de tudo, houve uma votação, e os funcionários resolveram dar um voto de confiança ao presidente da empresa, voltando ao trabalho. Nas primeiras reuniões, já dentro do processo participativo, houve decisão para que todos adotassem os macacões, como acontece na Toyota japonesa, e, dos 120 funcionários administrativos, em poucos dias, setenta pediram demissão. Eles ganhavam o equivalente a 250 empregados da linha industrial. No início, a bagunça foi total, mas descobrimos que não havia necessidade de computador ou ordem de serviço para continuar produzindo. Estou mostrando um caminho e, sem a menor dúvida, acredito em tudo isso, porque vi funcionando no Japão e acho o melhor para a Hatsuda resolver seus problemas.”
Fonte: http://www11.estadao.com.br/ext/diariodopassado/20020616/000200227.htm de Guilherme Evelin e Pamela Nunes
http://www.empresario.com.br/memoria/entrevista.php3?pic_me=449
acesso em novembro de 2005