Pode surgir na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) uma nova geração de circuitos integrados, os conhecidos chips, placas semelhantes a aranhas metálicas que revolucionaram a eletrônica deste século. Sem eles, a vida hoje seria no mínimo diferente. Não haveria computadores e Internet, seriam mais demorados os cálculos para a previsão do tempo e as televisões ainda teriam válvulas, as imagens custariam a aparecer e poderiam apagar-se a qualquer momento. Após sete anos de trabalho, um grupo interdisciplinar coordenado pelo engenheiro eletrônico Jacobus Swart e pelo físico Marcio Pudenzi, respectivamente da Faculdade de Engenharia Elétrica da Unicamp e do Instituto de Física da Unicamp, concluiu o desenvolvimento de um método alternativo de fabricação de circuitos integrados, que substitui a tradicional matéria-prima desses dispositivos, o silício, por arseneto de gálio, e integra duas tecnologias atualmente em uso.
Chips são conjuntos de transistores, pastilhas do tamanho da unha de um polegar ou menor, que geram, controlam ou amplificam sinais elétricos .Os transistores feitos nos laboratórios da Unicamp tornam as aplicações finais mais flexíveis e interessantes que as gerações anteriores, baseadas apenas no silício. Quase todos os chips ainda são construídos com silício por ser um material abundante e fácil de ser manipulado. Já o arseneto de gálio, explica o pesquisador, é mais quebradiço, pelo menos 10 vezes mais caro e mais difícil de se obter do que o silício, devido, em parte, à raridade de seus componentes, o arsênio e o gálio, cuja produção o Brasil dominou recentemente, : “Circuitos com o arseneto de gálio apresentam performances eletrônicas incomparáveis para algumas aplicações, como circuitos de comunicações em altas frequências e circuitos integrados opto eletrônicos”, justifica Swart. Se fosse possível acompanhar o que ocorre no interior desses materiais, veríamos elétrons, partículas subatômicas de cargas negativa, que conduzem a eletricidade, fluindo com velocidade muito maior no arseneto de gálio do que no silício. O pesquisador da Unicamp explica que é justamente essa propriedade que permite, no caso do arseneto de gálio, operações a frequências elevadas. Os comprimentos de ondas mais curtos e energéticos tornam os circuitos de arseneto de gálio essenciais para uso na faixa de micro ondas, uma das bandas dos sistemas de comunicação.
Descendente de holandeses que vieram para o Brasil há 40 anos, em busca de terras agrícolas, o professor Swart adverte: os circuitos integrados da Unicamp não são inéditos no mercado internacional. Existem produtos comerciais fabricados nos Estados Unidos, Japão e Europa, já utilizando essas tecnologias, com arseneto de gálio. O que sua equipe fez, ele reconhece, “foi um desenvolvimento nacional com algumas inovações em relação aos sistemas do mercado”. Os pesquisadores criaram os mecanismos de produção sintetizados nessa sigla, HBiFet (transistor bipolar de heterojunção integrado com transitor de efeito de campo). Trata-se de uma tecnologia híbrida, que integra num mesmo material os transistores chamados de HBT (Heterojunction Bipolar Transistor, ou transistor bipolar de heterojunção) e os conhecidos como Mesfet (Metal-Semiconductor Field-Effect Transistor, ou transistor de efeito de campo metal-semicondutor).
Um transistor é um arranjo de normalmente três camadas de material semicondutor, como o silício ou o arseneto de gálio. Os HBTs, com uma fatia de material diferente da base, têm outra característica: são bipolares, por terem dois tipos de elementos portadores de carga elétrica, os elétrons (carga negativa) e as lacunas (carga positiva). Já os FET ou MESFET são chamados de efeito de campo porque são transistores unipolares, ou seja, portadores apenas de cargas positivas ou negativas e a condutividade pode ser alterada por aplicação de um campo elétrico. A tecnologia de fabricação dos circuitos do tipo MESFET, lembra o professor Swart, tem sido desenvolvida em outros centros de pesquisa no Brasil, entre eles a Universidade de São Paulo, desde os anos 80. A novidade é o HBT, o transistor bipolar de heterojunção, inédito no Brasil até o desenvolvimento dos protótipos na Unicamp. Foi em 1991, durante o pós-doutoramento no Research Triangle Institute, nos Estados Unidos, que Swart ganhou prática no projeto e na fabricação de dispositivos e circuitos integrados baseados na tecnologia HBT e sua co-integração com outros dispositivos, como lasers e fotodetectores. Nesse mesmo ano ele fez os primeiros experimentos que levariam ao HBiFET.
Inédita no mundo, ao que se sabe, a integração de tecnologias exige cuidados imensos na preparação das camadas e na compatibilidade entre os materiais. Nos fornos do laboratório do Instituto de Física, crescem uma sobre as outras as camadas que vão compor as pastilhas dos transistores. Forma-se primeiro o HBT e depois o FET. Se fosse o sanduíche, haveria duas camadas de queijo, uma de presunto, outra de pão, funcionando como isolante, e mais duas de queijo. A primeira camada é constituída por arseneto de gálio com silício como dopante. A segunda, do mesmo material hospedeiro, contém carbono ou berílio como dopante. E a terceira é feita com a liga de índio, gálio e fósforo, com silício como dopante. A camada isolante, que impede que os materiais entrem em curto-circuito, também é de arseneto de gálio puro, sem material dopante. Sobre o isolante formam-se duas camadas de arseneto de gálio, uma com silício e outra com silício reforçado, mais condutiva .
A alquimia agrupou especialistas em ciências de materiais, químicos, físicos, engenheiros e técnicos da Faculdade de Engenharia Elétrica, do Instituto de Física e do Centro de Componentes Semicondutores (CCS) da Unicamp e do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Houve também inovações no processo, a exemplo da etapa chamada passivação de superfície, o isolamento elétrico da superfície das pastilhas que melhora do desempenho, neste caso decorrente de tratamento químico mais eficiente para os novos circuitos. Esse tratamento químico é realizado em ambiente de plasma de nitrogênio seguido por deposição química de uma camada de nitreto de silício, também por processo de plasma.
Fonte: http://www.fapesp.br/ciencia489.htm
acesso em maio de 2002