A agrônoma Johanna Dobereiner, é quase uma unanimidade no meio científico. Os estudos desta tcheca, naturalizada brasileira, no laboratório da Embrapa, no município fluminense de Seropédica, contribuíram para aprimorar a soja brasileira e torná-la competitiva no mercado internacional. Graças a seu trabalho, o Brasil economizou alguns bilhões de reais em adubos e inseticidas nos últimos 30 anos. Johanna descobriu uma bactéria, a Rhizobium, que atua como uma espécie de adubo natural. A bactéria é colocada na semente da soja. Ao germinar, a semente preparada produz nódulos nas raízes que funcionam como usinas para a extração de nitrogênio do ar. Assim, fertilizantes e a maioria dos nutrientes químicos produzidos com derivados de petróleo foram dispensados e o Brasil se tornou um dos maiores produtores mundiais de soja. “A falta de recursos para a pesquisa nunca foi problema para mim”, diz. Se existisse o Nobel de agronomia, Johanna certamente seria a primeira brasileira a ser laureada pelos suecos. A Academia de Ciências de Estocolmo pensa, inclusive, em homenageá-la com um prêmio especial. Segundo matéria do jornal Folha de SP (21/05/95), Johanna Dobereiner é a sétima cientista brasileira mais citada pela comunidade científica mundial (e a primeira entre as mulheres).
Em 1975, quando ela foi indicada como brasileira para concorrer ao Prêmio Nobel por suas pesquisas e descobertas no campo agrícola (descobriu que a bactéria Azotobacter paspali, em simbiose com gramíneas e cereais, fixava nitrogênio no solo) uma repórter perguntou: “Mas a senhora não é brasileira”, ela respondeu: “minha filha, talvez, mais do que você. Porque sou brasileira por opção, e não porque nasci aqui”. Um grupo de cientistas tenta indicá-la ao Nobel de ciências no campo da agricultura. Não conseguem. Mas em seguida, ela é convidada para fazer parte da Academia de Ciências do Vaticano, que tem como finalidade aconselhar o papa em assuntos científicos.
A partir do final da década de 50, publicou uma série de trabalhos sobre o enriquecimento seletivo de bactérias fixadoras de nitrogênio em plantações de cana-de-açúcar, e descreveu uma nova bactéria fixadora de nitrogênio, a Beijerinckia fluminensis. Segundo Ângela: “Talvez justamente devido à minha formação na Alemanha, quando fui confrontada com a agricultura tropical, eu sempre achei curioso, por exemplo, que a grama batatais, que cresce em todo o lugar, permanecesse verde e viçosa, sem que ninguém nunca a adubasse com nitrogenados. O mesmo com a cana-de-açúcar, cultivada há séculos, sem adubação, mantendo certa produção constante. Em 1959, houve um congresso de solos de que participei e vários outros cientistas presentes também acharam isso estranho. Aí, quando apresentei meus dados sobre a ocorrência de bactérias em cana-de-açúcar, eles ficaram desconfiados e acharam estranho que aqui no Brasil, uma região de clima tropical, houvesse bactérias fixadoras de nitrogênio habitando nas raízes das plantas. Mas havia uma razão lógica para o fenômeno. Uma bactéria só cresce, em meio de cultura, a uma temperatura mínima de 25 graus centígrados. Mas essa temperatura praticamente não ocorre nos solos em regiões temperadas como os Estados Unidos e Europa. Nas regiões tropicais, por outro lado, isso seria muito mais provável. No entanto, na ocasião em que apresentei o trabalho, a incredulidade foi geral. O pessoal me chamou até de visionária, porque havíamos descoberto uma bactéria nova – a Beijerinckia fluminensis – que se havia associado com a cana-de-açúcar. Ninguém havia notado isso antes, e nós fizemos aqui pela primeira vez com métodos muito mais rudimentares e simples. Até hoje, quando já temos descritas quatro novas bactérias e mais duas ou três em estudos, meus trabalhos suscitam alguma incredulidade. naquela época o pessoal me gozava, acho que ninguém realmente me levava a sério, porque não existia na literatura qualquer descrição da associação entre bactérias fixadoras do nitrogênio e plantas superiores”.
Quando Johanna Döbereiner chegou ao Brasil, em 1950, seu pai apresentou-a ao agrônomo Álvaro Barcelos Fagundes. Fagundes era diretor do SNPA, que mais tarde seria encampado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Johanna, recém-formada, mal falava português e precisava de um emprego. Fagundes queria que ela se especializasse no tema desse estudo: a microbiologia do solo. A jovem, na realidade, pouco entendia da questão. Pacientemente, Fagundes ensinou-lhe as bases para que se desenvolvesse profissionalmente. Em 1953, o agrônomo foi transferido e Johanna assumiu a pesquisa sozinha. Sua primeira publicação, um trabalho sobre fixação de nitrogênio utilizando bactérias do gênero Azotobacter, levou a atritos com seu novo chefe. A ideia foi vista com incredulidade no meio científico. Era uma loucura então propor o uso de bactérias nas lavouras. O mundo vivia a ‘revolução verde’, desencadeada pelo recém-descoberto uso de fertilizantes, que alavancara a produção mundial de alimentos. O autor da descoberta, o agrônomo norte-americano Norman Borlaug, recebeu o Nobel da paz de 1970 por ter evitado a fome e a guerra em diversas partes do mundo. Borlaug foi no início um opositor da pesquisa de Johanna. Segundo Jürgen Döbereiner, quando o americano veio ao Brasil e conheceu seu trabalho, teria declarado: “A sua aproximação ao problema da fertilização vegetal é muito melhor do que a minha”.
O grupo que dirigiu na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro iniciou, em 1963, um extenso programa de pesquisas sobre vários aspectos da fixação biológica do nitrogênio por plantas cultivadas, acumulando dados e resultados que indicam a superioridade desses recursos naturais sobre a utilização de fertilizantes minerais. Por ocasião da introdução da cultura da soja no Brasil, no início da década de 60, tomou partido em favor do aproveitamento das associações entre a planta e bactérias fixadoras de nitrogênio, opondo-se a utilização obrigatória de adubos nitrogenados. Os geneticistas da recém-fundada Comissão Nacional da Soja, todos com formação norte-americana, achavam que o trabalho com bactérias não teria aplicação e optavam pelas técnicas de melhoramento genético da soja feito nos Estados Unidos com adubação nitrogenada. Foram os resultados do trabalho do grupo de Ângela Dobereiner, que acabaram por prevalecer, permitiram ao Brasil ser hoje o segundo maior produtor de soja no mundo e isso sem fazer uso de qualquer aditivo químico. Além disso o Brasil deixa de importar por ano, o equivalente a mais de dois bilhões de dólares em adubos nitrogenados.
Os trabalhos de pesquisa em melhoramento genético da soja para diversas regiões produtoras aliados ao dos melhores tipos (estirpes) de bactérias do gênero Rizóbio para ser usado nos inoculantes resultaram na eliminação do uso de adubação Nitrogenada em soja. Essas tecnologias viabilizaram a produção de soja no Brasil. Com a tecnologia, o produtor economiza aproximadamente R$ 460/ha ou 57,5% do valor de sua produção. Para o Brasil a não utilização da adubação nitrogenada significa uma economia em torno de R$ 5 bilhões/ano. Caso não houvesse essa tecnologia, o cultivo da soja no Brasil seria inviabilizado pelo alto custo da adubação com nitrogênio. Os trabalhos de Joahanna em microbiologia do solo, especificamente na fixação do nitrogênio por bactérias foram também a chave para a criação do PRÓ-ALCOOL em 1975, considerado o maior programa de combustível biológico do mundo, menos poluente e menos agressor ao meio ambiente.
A soja pertence à família das leguminosas. As espécies leguminosas caracterizam-se pelo fato de fixarem nitrogênio em suas raízes na presença da bactéria Rhizobium. Embora a atmosfera seja rica em nitrogênio, a presença deste mesmo elemento muitas vezes restringe o crescimento das plantas. A razão disso reside no fato de que as plantas não conseguem retirar o nitrogênio do ar, tornando necessário que antes uma bactéria o fixe. Existem diferentes tipos de bactéria fixadora de nitrogênio.
Nas raízes das plantas leguminosas, ocorre um sistema de fixação simbiótico do nitrogênio na presença da bactéria Rhizobium. Formam-se nela nódulos compostos de células vegetais, os quais contêm a bactéria fixadora de nitrogênio. É por meio desses nódulos que o nitrogênio pode ser retirado, fixado e usado para alimentar a planta e a bactéria. Esse nitrogênio fixado também escapa dos nódulos e enriquece o solo. Costumam-se utilizar na rotação de lavouras as vagens que, misturadas à terra arada, tornam o solo mais fértil. As sementes das leguminosas em geral infectam-se com a bactéria Rhizobium antes da semeadura. Em toda nova área de cultivo de leguminosas certamente inoculam-se espécies de Rhizobium a fim de gerar um bom sistema de raízes noduladas. Cada leguminosa exige uma cepa própria de Rhizobium; a da soja é a Bradyrhizobium japonicum.
A vida na Terra depende de dois processos básicos, a fotossíntese e a fixação biológica do nitrogênio. Por meio da fotossíntese, plantas e microrganismos convertem o dióxido de carbono atmosférico em moléculas orgânicas, liberando oxigênio como subproduto. A fixação biológica do nitrogênio, elemento químico também essencial na constituição dos seres vivos, é operada por bactérias. Esse foi o campo de pesquisa escolhido pela agrônoma Johanna Döbereiner, nascida na antiga Tchecoslováquia, em 1924, e naturalizada brasileira em 1956. Ela se tornou reconhecida mundialmente como autoridade no assunto – o que lhe valeu indicações para o Prêmio Nobel de Química. Johanna – a cientista brasileira de maior projeção internacional até hoje – nunca acreditou que viria a ser premiada pela Academia Sueca. Sobre o Nobel, uma vez ela disse: “Há muita política nisso e nem é minha ambição”.
Johanna bateu às portas da História no começo de 1951, quando procurou emprego no antigo Serviço Nacional de Pesquisas Agronômicas (SNPA) – o antecessor da Embrapa. O agrônomo Álvaro Barcelos Fagundes, diretor da instituição, estava autorizado a contratar um especialista estrangeiro, e dar início a investigações que pretendia realizar em microbiologia do solo. A candidata à vaga era estrangeira, mas o diploma de agrônoma que trazia na bagagem não continha muita substância. Fora obtido em universidade alemã, em meio ao caos do pós-guerra. Fagundes despachou a moça com a recomendação de que estudasse mais um pouco e retornasse em 15 dias. O segundo encontro foi uma repetição do primeiro. No terceiro, a candidata desabafou: “Quero trabalhar, mesmo sem ganhar nada”. O apelo comoveu o diretor: “Muito bem, pode começar amanhã”. Naquele dia o Brasil teve sorte. Anos mais tarde, Johanna diria, com notável franqueza: “Eu não sabia nada, nunca tinha trabalhado em laboratório, e ele (Fagundes), com uma paciência incrível, me ajudou. Mas foi preciso mais de um ano para eu aprender o bê-á-bá em microbiologia”. Além disso, “o Dr. Fagundes me ensinou agronomia, de que eu, então, não tinha a menor ideia. Minha tese em microbiologia do solo tinha sido uma revisão da bibliografia, já que na Alemanha daquela época não havia laboratórios”. É possível que Johanna tenha sido modesta nessas declarações, pois a monografia de conclusão do curso de agronomia, que apresentou em 1950, intitulava-se “Bactérias na fixação assimbiótica de nitrogênio e a possibilidade de seu aproveitamento na agricultura”. Fagundes, com certeza, logo descobriu em Johanna uma pessoa de qualidades excepcionais, e isso deve tê-lo estimulado a ajudá-la. Em 1951, ambos assinaram “Influência da cobertura do solo sobre a flora microbiana” – o primeiro trabalho científico de Johanna, apresentado em reunião da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, no Recife.
Em 1952, Fagundes deixou o posto de diretor do SNPA. Àquela altura, Johanna – que se tornaria praticamente autodidata até 1960 – já fizera a si mesma duas perguntas fundamentais: “Por que as pastagens nativas, abundantes em várias regiões do país, permaneciam sempre verdes, sem que ninguém nunca as adubasse com fertilizantes nitrogenados? Como foi possível, da mesma forma, cultivar a cana-de-açúcar no Brasil sem adubação no decorrer de vários séculos?” Esses fenômenos só poderiam ser explicados pela fixação biológica do nitrogênio. Em 1953 ela publicaria “Azotobacter em solos ácidos”. Na abertura do texto, uma recomendação: “O nitrogênio é uma das substâncias nutritivas mais importantes para as plantas. O N pode ser fixado por processos químicos e adicionado ao solo como adubo mineral. Seria mais econômico aproveitar os processos biológicos no solo para cobrir ao menos parcialmente a necessidade de nitrogênio”. Na conclusão: “A capacidade de fixação de nitrogênio das tribos de Azotobacter isoladas no presente trabalho, pode ser comparada às das zonas temperadas” .Para publicar o estudo, Johanna teve de discutir antes com Waldemar Mendes, seu chefe imediato, que discordava do conteúdo, em alguns aspectos. Esse foi o primeiro dos vários embates que Johanna enfrentou ao longo da vida para defender seus pontos de vista. Como estava convicta de que trilhava rota segura, manteve o rumo das pesquisas. Novos resultados promissores apareceram. Em 1955, ela relatou a descoberta no Brasil de bactérias da espécie Beijerinckia, capazes de fixar nitrogênio assimbioticamente, em solos ácidos. Esses microrganismos já haviam sido descritos no exterior. A fixação do nitrogênio por bactérias que vivem em simbiose com as leguminosas – em nódulos localizados nas raízes dessas plantas – também era conhecida havia muito tempo. Mas Johanna estava prestes a dar sua maior contribuição à ciência: a descoberta das bactérias fixadoras de nitrogênio em vegetais de outras espécies, principalmente em gramíneas, como o milho e a cana-de-açúcar. Essas bactérias podem ser encontradas em diversos tecidos dessas plantas – nas raízes, nos colmos, nas folhas e nas sementes.
Em 1958, em parceria com Roberto Alvahydo e Alaídes P. Ruschel, ela publicou na Revista Brasileira de Biologia um trabalho pioneiro sobre a fixação do nitrogênio em cana-de-açúcar, realizado por uma nova espécie de bactéria que isolou, a Beijerinckia fluminensis. Em 1959, os dados da pesquisa foram apresentados num congresso sobre solos, sendo recebidos com ceticismo. Ela comentou o episódio assim: “Contrariando o saber estabelecido, acharam estranho que no Brasil, uma região de clima tropical, houvesse bactérias fixadoras de nitrogênio habitando as raízes das gramíneas. Mas havia uma razão lógica para o fenômeno. Uma bactéria só cresce, em meio de cultura, a uma temperatura mínima de 25ºC. Melhor sempre é uma temperatura de 30-35ºC. Temperaturas dessa ordem não ocorrem nos solos de regiões temperadas, como Estados Unidos e Europa. Nas regiões tropicais isso seria muito mais provável. (…) Naquela época o pessoal me gozava, acho que realmente ninguém me levava a sério, porque não existia na literatura qualquer descrição da associação entre bactérias fixadoras de nitrogênio e plantas superiores” .Havia mais que isso por trás da rejeição às suas ideias. No contexto da época, a chamada “revolução verde” triunfava em vários continentes, pregando um modelo de agricultura baseado no emprego intensivo de sementes selecionadas, adubos químicos, inseticidas, herbicidas e máquinas, em sistemas de monocultura, explorados em grandes extensões de terra. Ao mesmo tempo, o mundo estava mergulhado na Guerra Fria. Com o objetivo de lucrar e também de mostrar a superioridade econômica do Ocidente sobre a URSS e seus aliados, as corporações norte-americanas participavam da batalha ideológica, afinadas com a política da Casa Branca. As do setor agroindustrial se empenharam na promoção da “revolução verde”. No Brasil a economia vinha crescendo e o país se urbanizava com rapidez desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A produção agrícola aumentava, mas estava aquém das necessidades do mercado interno.
Por volta de 1960, os gastos com importações de óleos vegetais subiam rapidamente, e não havia perspectivas de mudar essa tendência. Após 1964, o governo militar, com o objetivo de transformar o Brasil em potência, interviria na esfera econômica, procurando também apressar a ocupação do Centro-Oeste. A agropecuária deveria produzir mais, exportar mais e, ao mesmo tempo, ser capaz de absorver insumos e máquinas, tornando viáveis a implantação e a sustentação de novas indústrias. Era iminente a inauguração do ciclo da soja – planta que se encaixava admiravelmente bem no esquema agroindustrial preconizado pelos ideólogos da “revolução verde”. As bases haviam sido lançadas em 1963, com a criação da Comissão Nacional da Soja. Johanna foi convidada a integrá-la e ali participou de disputa memorável, saindo vencedora, com o apoio de vários colegas. Essa vitória mais tarde se revelaria de importância capital para o agronegócio.
Era preciso decidir, naquele momento, que rumos deveriam tomar a pesquisa para aclimatar a soja às condições de solo e clima brasileiros. Johanna comentou: “Os geneticistas da comissão, todos com formação norte-americana, achavam que trabalhar com bactérias era brincadeira de cientista, que não tinha aplicação alguma. O melhoramento genético da soja nos Estados Unidos foi feito com adubação nitrogenada. Eles selecionaram a soja que respondia melhor à adubação. Mas eu reagi. Nas reuniões, tivemos uma discussão muito forte tentando convencê-los a fazer o melhoramento da soja sem adubo nitrogenado – que era muito caro para o Brasil – e com a aplicação de bactérias, o que conseguimos. A soja, devido à decisão tomada pela comissão, foi selecionada e melhorada para produzir muito sem adubo nitrogenado, aproveitando a simbiose entre as bactérias e as raízes da planta. Com isso, calculando de modo muito conservador, o Brasil está economizando anualmente cerca de US$ 1 bilhão. Se a soja (…) tivesse sido melhorada com adubo, provavelmente o Brasil jamais poderia competir no mercado internacional. (…) O preço baixo da soja brasileira, hoje em dia, é função desse fato”.
Só na presente temporada agrícola de 2003/2004, quando a colheita de soja poderá chegar a 60 milhões de toneladas, o país economizou cerca de US$ 1,4 bilhão – o valor de pelo menos 3,6 milhões de toneladas de adubo nitrogenado. Entretanto, mesmo demonstrando de forma cabal a importância do processo biológico de fixação do nitrogênio e vencendo o debate na Comissão da Soja, o trabalho de Johanna ainda receberia críticas. Ela não deu mostras de mágoa e jamais alterou o curso de suas pesquisas. Essa postura combativa teve raízes numa juventude marcada pela Segunda Guerra Mundial. Ao terminar o conflito, a família de Paul Kubelka, pai de Johanna – todos alemães dos Sudetos, região ocidental da Tchecoslováquia – estava dispersa. Expulsa do país, Johanna foi para o território da antiga Alemanha Oriental, onde trabalhou duro no campo para sobreviver e sustentar um casal de avós (talvez por isso ela gostasse de dizer, na maturidade, que se sentia “uma camponesa no laboratório” – era a primeira a chegar e a última a sair).Logo depois, os remanescentes da família juntaram-se no sul da Alemanha. Lá Johanna fez o curso de agronomia e conheceu o estudante de veterinária Jürgen Döbereiner, com quem se casou em 1950. No final daquele ano, o casal embarcou para o Brasil, convencido pelo pai de Johanna, que emigrara antes. Durante a viagem de navio – foram 16 dias de Marselha ao Rio de Janeiro – Johanna e Jürgen estudaram português. O material didático disponível era precário: não passava de 24 páginas impressas. Desembarcaram com vocabulário escasso, constituído de algumas dúzias de palavras em português. Foi com ele que Johanna se apresentou para assumir o cargo de assistente de pesquisa no Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícolas (IEAA) do Serviço Nacional de Pesquisas Agronômicas, em 1951.
O casal Döbereiner, que alugara moradia no bairro carioca de Campo Grande, viajava de ônibus diariamente até o Centro Nacional de Ensino e Pesquisas Agronômicas (CNEPA), no km 47 da antiga Rio-São Paulo. Jürgen havia sido contratado para trabalhar na cadeira de anatomia patológica, da Escola Nacional de Veterinária, que também funcionava ali. Em março de 1952, Álvaro Fagundes saiu da diretoria do SNPA, mas ainda prestou um grande favor a Johanna: deixou ordem para que lhe entregassem a casa nos 19, recém-construída na Rua Colina, no bairro residencial do CNEPA, que seria seu endereço definitivo. De lá, apenas dez minutos de caminhada a separavam do laboratório. A proximidade do local de trabalho contribuiu para o desenvolvimento das pesquisas feitas pelo casal. Em 1961, Jürgen recebeu uma bolsa da Fundação Rockefeller para fazer mestrado na Universidade de Wisconsin, em Madison, onde escreveu tese sobre a ação de plantas tóxicas em bovinos – sua especialidade.
Ao mesmo tempo, entre junho de 61 e janeiro de 63, Johanna desenvolveu um estudo sobre a fixação do nitrogênio em leguminosas, também em nível de mestrado. Sobre essa etapa ela diria: “Não foi possível continuar o trabalho com gramíneas nos Estados Unidos. Meu orientador (O. N. Allen) não queria saber de nada disso. Apesar de ter grande renome, ele não me ensinou muita coisa. Sempre digo que com ele só aprendi a fazer rolhas de algodão, muito usadas no laboratório. Eu tinha, naquela época, uma mentalidade bastante forte, e fui realizando o trabalho apesar de tudo. Meu orientador viajava muito. Um dia, após uma ausência de quatro meses, ele voltou e a tese estava pronta. Ele ficou possesso, mas se fechou em seu escritório durante dois dias para lê-la. A tese já estava inclusive datilografada… Vi-o na defesa da tese, onde apenas corrigiu três vírgulas, e mais nada”.
Na verdade, Johanna foi apoiada pelo co-orientador. Mas isso não diminui o valor de seu esforço: houve comentários na época de que o trabalho que apresentou valeria por uma tese de doutorado. Ao retornar ao Brasil, Johanna estava mais que preparada para enfrentar o debate sobre os caminhos da soja no país. Desde então seu prestígio só cresceu, atraindo grande número de estudantes para o laboratório, que, em 1992, seria transformado numa unidade independente da Embrapa: o Centro Nacional de Pesquisa de Agrobiologia. Por meio dos orientandos, estudantes de pós-graduação, a produção científica de Johanna se multiplicou. Ela fazia questão de dizer: “Não faço nada sozinha – tudo é fruto de muita troca entre nossa equipe”. De fato, sua assinatura aparece em mais de 500 trabalhos científicos. É digna de nota a maneira como se relacionava com os estudantes, que oscilava entre extremos de severidade e atitudes maternais. Preconceitos, nunca. Caso contrário, uma quase menina, vestida à moda hippie, não teria sido admitida em seu laboratório, nos anos 1970.
Hoje, Fátima Moreira, professora de microbiologia e bioquímica do solo na Universidade Federal de Lavras, MG, conta que Johanna “não era um exemplo de gentileza”. Mesmo assim, Fátima aprendeu a gostar daquela mulher enérgica, dedicada a múltiplos afazeres, capaz de assistir novelas de televisão enquanto escrevia ou lia trabalhos científicos. Fátima, como centenas de outros estudantes que passaram pelo laboratório, tinha por Johanna grande respeito e admiração. Sobretudo lealdade: quando estagiava no Senegal, na década de 80, reagiu com indignação às críticas endereçadas a Johanna por um pesquisador francês. Fátima lembra que o francês – uma autoridade na época, e hoje esquecido -, tempos depois, compareceria a uma homenagem feita à doutora Döbereiner…
O estudante Avílio Franco procurou Johanna em 65. Queria trabalhar com feijão – uma cultura importante para o povo brasileiro. Foi recebido com a severidade habitual que a pesquisadora reservava aos iniciantes. Levou para casa cinco trabalhos em inglês, que mal conhecia, e a incumbência de apresentar um plano de pesquisa a partir daqueles textos. Inúmeras consultas a dicionários e várias noites mal dormidas depois, ele entregou a encomenda e foi aprovado. Começava ali um relacionamento muito produtivo em termos de trabalho, e uma longa amizade de 35 anos. Avílio conta que Johanna foi sua segunda mãe: “Ela também me considerava como filho e esteve presente em todos os passos de minha carreira. Inclusive me persuadiu a não trocar a pesquisa pela extensão rural, que na época garantia bom salário e estabilidade no emprego. Entre 68 e 71 fiquei no laboratório em caráter mais ou menos precário, dependendo de verbas que poderiam ou não sair, até ser contratado pelo Ministério da Agricultura”.
E foi a dedicação e o carinho dos colaboradores mais próximos que permitiram a Johanna frequentar o laboratório até quase seu último dia de vida. Ao falecer, em 5 de outubro de 2000, vítima de enfermidade neurológica, Johanna acumulava grande número de distinções, prêmios e homenagens. Uma delas, informal, foi prestada por Norman Borlaug, prêmio Nobel da Paz, chamado de “pai da revolução verde”, que, em visita a Johanna, lhe disse: “O que você faz aqui é muito melhor que aquilo que fiz”. Johanna recebeu, ainda, o título de doutora Honoris Causa concedido pela Universidade da Flórida (1975) e pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1982); em 1978 tornou-se membro da Academia de Ciências do Vaticano, nomeada pelo Papa Paulo VI, e foi condecorada várias vezes pelo governo brasileiro. Em 2001, cientistas mexicanos e alemães deram seu nome a duas novas espécies de bactérias fixadoras de nitrogênio, a Cluconacetobacter johannae sp. e Azospirillum doebereinerae sp. Finalmente, para preservar-lhe a memória e também dar apoio à continuidade de seu trabalho, Jürgen Döbereiner e um grupo de pesquisadores fundaram a Sociedade de Pesquisa Johanna Döbereiner, em 2002.
Fonte: http://www.terra.com.br/istoe/politica/143427.htm
http://www.cib.org.br/biotecnologia/oque/fbci/docs/fbci09port.doc
http://www.cnpso.embrapa.br/nitrog.htm
http://www.folhadomeioambiente.com.br/fma-110/johanna110.htm
http://www.faperj.br/divulgacao/jornal12_pg6.htm
http://www.uol.com.br/cienciahoje/perfis/johanna/johanna2.htm
Acesso em dezembro de 2001
http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/a_pesquisa_que_revolucionou_a_agricultura.html
Acesso em fevereiro de 2008
Cronologia do Desenvolvimento Científico e Tecnológico Brasileiro 1950-2000, MDIC, Brasília 2002, páginas 46 e 93
Cientistas do Brasil, SBPC, 1998, páginas 77 a 85