Automóveis

“Aeromóvel”

Um charuto de alumínio que desliza sobre um colchão de ar. É o aero móvel suspenso a cinco metros de altura numa via sustentada por pilares de concreto, que une duas estações desertas de passageiros, no centro de Porto Alegre. A linha tem 90 centímetros de largura e 750 metros de comprimento. Está lá há 18 anos e custou US$ 6,5 milhões. Por enquanto, é apenas um elefante branco. Na paisagem à beira do Guaíba, o trem futurista contrasta com a velha Usina da Volta do Gasômetro. É o diálogo entre um futuro que não veio, e talvez não chegue jamais e um passado que achou lugar no presente. Tombado, o prédio da usina (inaugurada em 1874) se transformou num dos principais centros culturais da cidade. Do outro lado da rua, o aero móvel não saiu do lugar, exceto para testes e para duas ou três voltas com autoridades a bordo, dispostas a tornar realidade o sonho do inventor Oskar Coester, de 63 anos, nascido em Pelotas (RS).

 

A fama do aero móvel oscila entre ovo de Colombo e simples maluquice. “O mundo só se move por causa dos sonhadores, mesmo que as ideias inovadoras colidam com costumes arraigados ou interesses econômicos”, diz Coester. O princípio que move o aero móvel é singelo, o mesmo do barco à vela, apenas invertido. Um ventilador subterrâneo suga o ar da atmosfera para jogá-lo dentro de um duto oco sob os trilhos. O ar deslocado no túnel empurra uma placa de propulsão, espécie de vela virada de cabeça para baixo colada ao veículo. Coester não tem curso superior. “Rotulam-me de engenheiro, mas não fiz faculdade. Engenheiro é quem engendra”, brinca. Os pais vieram da Alemanha, em 1935, para plantar aspargos em Pelotas. Aos 16 anos, ele chamava a atenção dos colegas da Escola Técnica do município construindo miniaturas de avião. No entusiasmo, fez logo um pequeno motor de dois cilindros. “Nasci com a sina de não sossegar até descobrir como as coisas funcionam, desde um relógio até uma turbina de jato. Tinha espinhas no rosto quando, para fugir do serviço militar, ingressou na Escola Técnica da Varig, em Porto Alegre”. Em 1956, após um curso na Boeing, nos Estados Unidos, passou a trabalhar no serviço de manutenção da Varig. Manejar equipamentos sofisticados de navegação e comunicação era puro deleite. “Sentia-me um alcoólatra na adega”, compara. Na década de 60, quando morou no Leme, no Rio, teve o lampejo de conceber o aero móvel. As horas jogadas fora no trânsito entre o aeroporto do Galeão (atual Tom Jobim) e o apartamento na zona sul carioca inspiraram o inventor a matutar um meio de se locomover com mais rapidez. Se chovia, a avenida Brasil parava. Perdia mais tempo no trânsito do que voando. Quando largou o emprego na Varig, em 1969, para fundar uma fábrica de equipamentos náuticos em São Leopoldo, a 35 quilômetros da capital gaúcha, o sonho virou obsessão. “Concluí que era preciso criar vias expressas, fora do alcance de obstáculos. Definir o que deveria circular na via elevada obedeceu a critérios pouco usuais como a relação entre o “peso morto” do veículo e a carga viva que ele transporta. Um automóvel compacto pesa 1 tonelada. Se levarmos em conta o peso de um passageiro, 80 kg em média, teremos mais de 90% de peso morto, com óbvia implicação em aumento de custo e energia”, afirma.

Leve e ágil, inspira-se na engenharia de aviação, o aero móvel tem quatro vezes menos peso morto em relação à carga útil, comparado a qualquer veículo que anda sobre trilhos. Com velocidade de 80 km por hora, pode transportar até 136 passageiros. Dispensa maquinista, as manobras são feitas nas estações por controle remoto. Tem freio a disco nas rodas, mas o principal meio de parar o bicho é acionar um sistema de propulsão, que altera a direção da massa de ar em movimento no túnel de vento sob os trilhos. Os primeiros ensaios foram feitos em casa com o aspirador de pó da mulher e um carro de brinquedo de um dos quatro filhos. A seguir, Coester acoplou rodas de lambreta a uma cadeira. Em maio de 1977, testou um chassis abarrotado de sacos de areia num trilho de verdade. Nesta altura, a fama do inventor maluco corria o país. Em 1979, Jorge Franciscone, diretor da extinta EBTU (Empresa Brasileira de Transporte Urbano), resolveu apostar na ideia. Garantiu US$ 4 milhões para a construção da via experimental no Gasômetro, que passou a funcionar em caráter precário em 1983. A obra ficou inacabada em função da troca de piloto no Ministério dos Transportes Cloraldino Severo substituiu Eliseu Rezende e arquivou o projeto.

Em 1985, Renato Archer, ministro de Ciência e Tecnologia da Nova República, autorizou um empréstimo de US$ 2,5 milhões, concedido pela Finep. No clima de euforia do Plano Cruzado, quando se acreditava que a inflação estava debelada para sempre, o contrato de empréstimo (em cruzados) não previa cláusula de reajuste. Como se sabe, o plano econômico falhou. “Quando o dinheiro chegou, tinha virado pó”, lamenta Coester. Nem tudo é motivo de frustração. O aero móvel foi implantado, em 1989, numa linha de 3,5 km num parque de Jacarta (Indonésia), onde há centros de convenção, prédios culturais e uma universidade. É a única operação comercial do veículo. Coester se associou a empresas americanas para tentar viabilizar – até agora, sem êxito – o invento em Long Beach, na Califórnia, e em Orlando, na Flórida. Nos anos 90, um estudo da prefeitura de Porto Alegre concluiu que o período de retorno do investimento para instalar uma linha de 7 km era de 13 anos – os investidores estrangeiros admitem no máximo dez anos. Em 2001, contudo, a prefeitura da capital gaúcha assinou protocolo de intenções comprometendo-se a reavaliar o aero móvel. “É preciso saber se a tecnologia é viável”, ressalta Humberto Kasper, diretor de planejamento da EPTC. Coester não perde a esperança. “Quero dar minha contribuição para melhorar a vida nas grandes cidades”. Se a resposta da EPTC for negativa, o trem futurista que não sai do lugar continuará dialogando, em vão, com a velha Usina do Gasômetro, à beira do Guaíba.

 

Fonte: http://www.revistadigital.com.br/caderno_especial.asp?NumEdicao=125&CodMateria=667

http://www.coester.com.br/aeromov.htm acesso em janeiro de 2003

http://www.sct.rs.gov.br/programas/petro-rs/noticias_agosto2001.htm

http://www.fiesp.org.br/indusnet3.nsf/0/7f55efb72c69e3c0032569fc00689d71?OpenDocument

acesso em agosto de 2003