Desde o ápice da crise energética brasileira, em 1973 e mais recente em 2001, os aparelhos de ar-condicionado têm sido apontados como “vilões” quando o assunto é conservação de energia elétrica. Além de responder por boa parte do consumo de uma residência ou empresa (algo como 20% ou até 25%), esses equipamentos normalmente são ligados durante o dia, quando a demanda é maior e as tarifas, mais caras. Tecnologia desenvolvida de forma pioneira no Brasil por pesquisadores da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp promete tornar o uso desse sistema de climatização mais eficiente e racional. O princípio básico da nova técnica, que mistura cristais de gelo e água, é gerar frio ao longo da noite, armazená-lo e usá-lo para resfriar o ambiente posteriormente. O conceito também se aplica à indústria, sobretudo a de alimentos, que depende de processos de refrigeração. Denominada de Tecnologia de “Banco de Gelo”, o novo modelo vem sendo trabalhado desde 1976 pelos pesquisadores, docentes e pós-graduandos da FEM. Nesse período, foram desenvolvidos variados modelos e conceitos aplicados a armazenamento de calor e frio para uso industrial, comercial e doméstico. Atualmente, explica o diretor da Unidade, professor Kamal Abdel Radi Ismail, os experimentos também contam com a participação de especialistas da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) e da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri). De acordo com ele, os resultados obtidos em escala laboratorial são animadores. “Nosso trabalho vem ao encontro da necessidade do uso racional de energia elétrica, conceito cada vez mais difundido tanto no Brasil quanto no exterior”, explica.
O “Banco de Gelo”, conforme o professor Kamal, não proporciona propriamente economia de energia elétrica, mas sim o deslocamento de demanda. O ar-condicionado convencional, esclarece, gera frio para atender a uma necessidade pontual e momentânea. A tecnologia desenvolvida na Unicamp, ao contrário, permite que o frio seja gerado fora do horário de pico, no período compreendido entre 21h e 6h, para ser usado posteriormente na climatização do ambiente. Além do custo de operação ser mais barato, em virtude do preço diferenciado da tarifa, a nova técnica não contribui para a sobrecarga do sistema de geração e de distribuição de eletricidade. O sistema de “Banco de Gelo” funciona de uma forma relativamente simples. O método consiste em resfriar uma placa de metal a –15 graus centígrados e banhá-la com água em movimento, para a geração de cristais de gelo. A solução composta pela água e pelos cristais é recirculada no processo, até que se atinja o índice de 15% a 20% de gelo. Depois disso, o sistema é interrompido e o frio é armazenado, ficando pronto para ser utilizado.
Segundo o diretor da FEM, o desempenho do “Banco de Gelo” é mais eficiente do que o das tecnologias convencionais porque a mistura de água e gelo é bombeada diretamente para os fancoils, eliminando assim equipamentos intermediários. “Além disso, a taxa de troca de calor é até seis vezes maior”, assegura. Isso sem falar que o ar resfriado pelo novo método não é tão seco quando o gerado pelo ar-condicionado comum, o que eleva a sensação de bem-estar das pessoas. O próximo desafio dos pesquisadores, adianta o professor Kamal, é o desenvolvimento de um protótipo operacional, passo anterior a uma provável transferência de tecnologia para a indústria. Para isso, estão sendo mantidos entendimentos com algumas empresas, que demonstraram interesse em participar do projeto. Recentemente, o conceito de mistura de cristais de gelo e água foi apresentado ao Grupo CPFL, durante um workshop promovido conjuntamente pela companhia e a Unicamp. Na oportunidade, de acordo com o professor Kamal, os executivos da empresa manifestaram a intenção de conhecer melhor a tecnologia. O diretor da FEM destaca que a contribuição para os programas de conservação de energia é apenas um dos aspectos relevantes dessa técnica inovadora. Um outro ponto importante, segundo ele, é a geração de mão-de-obra especializada para o País. Nos últimos 26 anos, calcula o docente, essa linha de pesquisa gerou pelo menos 30 teses de doutorado e mestrado, cerca de 30 artigos em revistas internacionais indexadas, um livro em português e um capítulo de livro de pesquisas publicado por M. Graw Hill, em inglês.
Fonte:
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/outubro2003/ju231pag08.html (MANUEL ALVES FILHO)
acesso em setembro de 2004
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