No dia 26 de outubro de 1968, em cerimônia oficial, no Centro Técnico de Aeronáutica, com a presença do Ministro da Aeronáutica, vários Ministros de Estado, de autoridades civis e militares e cerca de 15 mil pessoas, que afluíram ao Aeroporto de São José dos Campos, foi realizado o voo oficial da aeronave Bandeirante. Uma exclamação geral elevou-se aos ares, ao serem abertas as portas do hangar X-10 para a saída e apresentação oficial da aeronave, exultando, os presentes, com o avião sendo apresentado sob vários ângulos, em suas voltas pelo pátio do hangar. O Maj. Mariotto e o Eng. Michel partem da cabeceira da pista para a realização da primeira decolagem e do primeiro voo oficial do Bandeirante, numa inesquecível demonstração ao país da existência de condições, capacidade e competência na consolidação e progresso da indústria aeronáutica brasileira, efeito do estudo e trabalho de uma equipe de civis e militares irmanados no mesmo ideal de dar asas brasileiras ao Brasil, e o sonho sendo concretizado 20 anos após o início dos trabalhos de construção do CTA. Uma semana depois o mesmo José Mariotto Ferreira perdia a vida testando um monomotor “Uirapuru” T-23, na mesma pista onde ficara famoso com o voo histórico do “Bandeirante”. Foi uma dura perda para o programa, e a continuação do projeto dependeu de uma firme determinação para vencer a tristeza e o pessimismo causado pela morte do Mariotto.
No dia 29 de julho de 1969, após uma sequência de reuniões com vários Ministros, sob a liderança do Ministério da Aeronáutica, foi elaborada a primeira minuta do Decreto Lei de criação da Empresa Brasileira de Aeronáutica, uma indústria nova, destinada à fabricação seriada do Bandeirante, “Lembro da reunião em que foi decidida essa medida”, conta Ozires Silva. “O Ministro da Fazenda, Dr. Delfim Neto, propôs uma dedução de até 3% nas taxas devidas ao Imposto de Renda para todas as empresas que investissem na nova companhia. Esse incentivo, afinal, foi fixado em 1%. Na realidade, eu próprio não acreditava que depois de tanto esforço o nosso velho sonho fosse, finalmente, se transformarem realidade”. Em 1973 o primeiro Bandeirante de série é entregue para a Força Aérea Brasileira.
Um dos maiores êxitos da aviação civil e militar brasileiras, verdadeiro best-seller, o Bandeirante (IPD6504) partiu de um ambicioso projeto do Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento (IPD) do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) na década de 60, tornando-se o ponto de partida para o incrível sucesso de nossa indústria aeronáutica, tanto no Brasil quanto no exterior. O Bandeirante efetua missões de transporte de cargas leves e de passageiros, além de lançar pára-quedistas em missões de infiltração ou de salto livre. Sua versatilidade permite também a participação tanto em operações de busca e salvamento, quanto para aferir equipamentos dos aeroportos. O R-95, equipado com uma câmera Zeiss, executa missões de reconhecimento fotográfico e aerofotogrametria. Utilizado nas pinturas branca e camuflada, o Bandeirante é presença constante em praticamente todos os aeroportos brasileiros.
O velho sonho de construir aviões bimotores no Brasil chegou aos primeiros anos da década de 1960, sem encontrar um único exemplo de sucesso. A maioria dos projetos nunca saíra da prancheta dos desenhistas. Foi em 1965, que o engenheiro francês Max Holste, de passagem no Brasil a caminho de Marrocos, recebeu o convite de Ozires Silva para o projeto de um bimotor. Na verdade, o encontro Max Holste-Ozires ocorreu num momento favorável, quando o Ministério da Aeronáutica buscava um substituto nacional para as aeronaves médias de transporte em uso nas empresas brasileiras de aviação comercial. A solução ideal seria encontrar um modelo intermediário em tamanho e performance. Esse modelo se transformaria, mais tarde, no Bandeirante. Ozires Silva diz que não foi tão difícil assim convencer Max Holste de orientar a produção de bimotores no Brasil. “Muito mais complicado foi obter os recursos para pagar seu trabalho no CTA”
No início a equipe era pequena mas, com o tempo, mais e mais técnicos e engenheiros foram sendo desviados para trabalhar no bimotor misterioso que crescia num hangar, em São José dos Campos.
Max Holste teve muitas oportunidades de provar seus conhecimentos, e de mostra o seu difícil gênio. “Max Holste tinha urna personalidade forte e estava acostumado a dar ordens sem ouvir contestação. Ele orientou a todos e trabalhou tanto quanto qualquer um. Mas vivia criando atritos com as decisões radicais que tomava.” Eis como Ozires Silva define o período 1965-1966 no CTA. Na realidade, a equipe do bimotor teve de enfrentar muitas dificuldades para concluir sua construção. E todos reconhecem que o apoio do brig. Paulo Victor da Silva foi importantíssima, principalmente depois que a Diretoria de Material retirou sua subvenção financeira, por notar que o projeto do avião Turbo T-6 não tinha futuro e que parte das verbas que designara para aquele estudo tinha sido usada para subvencionar o desenvolvimento de outra aeronave. Finalmente, no dia 26 de outubro de 1968, na presença de autoridades e jornalistas, abriu-se a porta do hangar do CTA.
A construção do primeiro protótipo do Bandeirante praticamente significou o fim do trabalho de Max Holste. Ele formara uma equipe brasileira de alto gabarito, e orientara essa equipe na construção de uma aeronave robusta e funcional. Mas, apesar disso, continuava não acreditando nas possibilidades brasileiras de fabricar o “Bandeirante” em série. Surgiram atritos cada vez mais frequentes. Em fins de 1 969, finalmente, Max Holste saiu do Brasil e mudou-se para o Uruguai. “O Max deixou saudade entre nós”, lembra Ozires Silva. “Mas ele simplesmente não acreditava que fôssemos capazes de levar o projeto mais além. E assim nos deixou.”
Apesar do êxito da Embraer, a empresa pouco tem utilizado o sistema de patentes. O presidente do INPI José Graça Aranha comenta: “”Veja o caso da Embraer. É o principal cartão postal brasileiro nas nossas exportações, uma empresa que lida com alta tecnologia que disputa com várias outras empresas de primeiro mundo no mercado americano, que é o maior mercado que existe. A Bombardier, que é a principal rival da Embraer, tem 166 patentes nos Estados Unidos. A Embraer não tem nenhuma. Isso mostra que não só as empresas brasileiras não procuram se proteger. Veja um avião. Quantas patentes a Embraer não deve ter no desenvolvimento daquela aeronave, quantos inventos? E ela não pediu uma patente, colocou isso em domínio público, qualquer um vai poder copiar peça por peça às invenções que eles desenvolveram.”
Ao final de 1971, ia de vento em popa a fabricação das peças e componentes para o Bandeirante, que já havia sido reprojetado para facilitar a produção seriada. O projeto foi submetido a uma melhoria aerodinâmica geral, que não apenas aumentou seu desempenho, como tornou a aeronave esteticamente mais atraente. O voo inaugural desse novo Bandeirante foi em 9 de agosto de 1972. Designado EMB-110 ou C-95 na versão militar, apresentava novo para-brisa, novas naceles dos motores (mais aerodinâmicas), que acomodavam por completo o trem de pouso principal, que de retrátil passava a ser escamoteável, além de uma fuselagem ligeiramente alongada capaz de acomodar até doze passageiros. Em dezembro do mesmo ano o CTA entregava à Embraer a homologação do aparelho e, em fevereiro de 1973, os três primeiros exemplares de série (C-95 2132, 2133 e 2134) eram entregues à FAB. No Mercado civil, em fevereiro de 1973, finalmente uma aeronave foi comercializada.
O sempre visionário e audaz empresário Omar Fontana colocou uma encomenda de 6 unidades para a sua Transbrasil. Ao assinar os papéis, A Transbrasil tornou-se a primeira de muitas companhias aéreas no país e no exterior a encomendar uma aeronave 100% projetada e construída no Brasil. Isso só se tornou possível porque a FAB concordou em adiar o recebimento de parte dos aviões que havia encomendado, abrindo espaço na linha de produção para atender os pedidos do mercado civil. Os Bandeirantes entregues à Transbrasil eram todos da versão E M B-110C, basicamente similares aos recebidos pela FAB, exceto por poderem transportar 15 passageiros em vez de apenas 11. O primeiro voo comercial de um Bandeirante da Transbrasil ocorreu em 16 de abril de 1973. Foi um marco na história da aviação comercial brasileira: pela primeira vez um avião projetado e fabricado no país voava regularmente numa companhia aérea brasileira.
Em 4 de novembro de 1973, a Vasp seguia os passos da Transbrasil e tornava-se a segunda empresa aérea brasileira a colocar em serviço o Bandeirante. A primeira unidade de 10 encomendadas entrou em serviço na Vasp, na data dos 40 anos de sua fundação. Dois anos depois, uma portaria do DAC daria o empurrão definitivo para o Bandeirante no mercado interno: em novembro de 1975, foi criado o Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional (SITAR), que “recomendava” a utilização da aeronave nacional nas linhas regionais de alimentação. O modelo então foi comprado por todas as regionais, sem exceção. Com o advento da era do jato no Brasil, no início dos anos 60, e como resultado do maior custo operacional desses aparelhos, da inexistência da infraestrutura adequada para a operação, além de baixa demanda, boa parte das cerca de 400 localidades no interior do país anteriormente servidas pela aviação regular foram deixadas sem nenhum serviço aéreo. O sistema SITAR foi criado exatamente para suprir a demanda de transporte aéreo nessas localidades.
O SITAR dividia o país em cinco regiões distintas, servidas por empresas aéreas regionais especificamente formadas: a Votec, (centro-oeste); Rio-Sul (sul); a TAM Transportes Aéreos Regionais, empresa resultante da associação Táxi Aéreo Marília com a Vasp, que lhe transferiu seus aviões Bandeirante (centro-sul); a Nordeste Linhas Aéreas Regionais, resultado de fusão da Transbrasil e do Governo do Estado da Bahia (nordeste); e finalmente a TABA, Transportes Aéreos da Bacia Amazônica, (região norte). Nos anos que seguiram a criação do SITAR, as empresas que operam o sistema adquiriram nada menos que 53 Bandeirante. A popularidade do Bandeirante atravessou fronteiras e fez com ele permanecesse em produção contínua por praticamente dezoito anos, durante os quais foram fabricados e entregues 500 exemplares a clientes civis e militares em 36 países. Várias novas versões foram desenvolvidas tanto para os mercados civis como para os militares. Neste último, talvez o mais notável seja o EMB-111 “Bandeirola”, desenvolvido para patrulhamento e ataque marítimo e ainda em uso pela FAB. O Bandeirante acabou se transformando numa das aeronaves mais vendidas na sua categoria, além de ter sido um dos que mais contribuiu no desenvolvimento do transporte aéreo regional no mundo. O Bandeirante foi o avião que colocou a Embraer no cenário mundial de aviação e fez dela uma empresa de renome internacional. O fim de sua produção marcou também o fim de um ciclo para Embraer.
Não é por acaso que, além de ser a maior empresa exportadora do país (vendas de US$ 2,897 bilhões em 2001), a Embraer é também a segunda maior importadora (compras equivalentes a US$ 1,843 bilhão no ano passado) e quarta maior fabricante de aeronaves no mundo. Em termos de importação, a empresa fica atrás apenas da Petrobras, com o petróleo. O mercado externo responde por 98% do faturamento. A internacionalização começou na década de 80, quando o EMB-120, o Brasília, um turboélice para 30 passageiros, se tornou o primeiro avião da Embraer a entrar diretamente em operação comercial no exterior, em 1985, antes de ser entregue a uma companhia nacional. A partir da segunda metade dos anos 90, a empresa colocou no mercado uma linha de pequenos jatos destinada à aviação regional. Das mais de 600 unidades vendidas do ERJ-145 (jato para 50 lugares), apenas 15 voam no país. Essa capacidade em projetar e montar aviões a preços competitivos é, certamente, um dos motivos do sucesso da Embraer, que faz dela a quarta maior indústria de aviões comerciais do mundo, atrás apenas da norte-americana Boeing, da europeia Airbus e da Bombardier.
O desenvolvimento de uma indústria aeronáutica verdadeiramente brasileira aconteceu no longínquo ano de 1945, por atuação direta do Ministério da Aeronáutica. Naquele ano foi criado o Centro Tecnológico de Aeronáutica (CTA) e sua escola de engenharia, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), baseados em São José dos Campos, quase a meio caminho entre as duas maiores cidades e mercados do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro. Com planejamento tipicamente militar, os dois órgãos seriam respectivamente o construtor de aeronaves e o construtor dos profissionais por detrás delas: o ITA nascia com a missão de formar a base de talentos sobre a qual o CTA iria se capacitar para voos mais altos. Outro passo importante foi a criação, 1954, do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IPD), subordinado ao CTA, que seria responsável por desenvolver projetos e experimentos no campo da aeronáutica. As próximas décadas seriam dedicadas a projetos sem expressão comercial, mas que foram importantes para afiar os profissionais e os processos. Ideias com o um convertiplano, um projeto bastante avançado para a época, ou o helicóptero Beija-Flor, serviram de laboratório de ensaios para o que a indústria aeroespacial brasileira um dia viria a ser.
Com o golpe militar em 1964, Governo e nossas Forças Armadas se tornaram uma entidade só. E com esse respaldo político de peso, um grupo de técnicos civis e militares, liderados pelo então major-aviador Ozires Silva, começou a trabalhar no desenvolvimento de um bimotor turboélice. O ano era 1965, e a missão dessa nova aeronave de oito lugares era realizar transporte leve para a Força Aérea Brasileira. Esse grupo, formado em sua maioria por engenheiros aeronáuticos formados pelo ITA, era liderado por um estrangeiro, o francês Max Holste, criador do Nord 262. Sua breve passagem no Brasil foi decisiva para assessorar a equipe que desenvolvia o novo avião, designado provisoriamente de IPD/PAR 6504: era um monoplano de asa baixa, totalmente metálico, provido de um trem de pouso triciclo retrátil, dois motores Pratt & Whitney Canada PT-6A e peso máximo de decolagem de 4.500 kg. A construção de dois protótipos foi iniciada em 1966. Foram três anos de muito trabalho e de problemas aparentemente insuperáveis, mas prevaleceu à garra à inexperiência, a vontade de ferro ao desconhecimento. Afinal, a pátria de Santos Dumont precisava mesmo ter sua própria indústria aeroespacial.
Na manhã de 22 de outubro de 1968, o valente avião decoou pela primeira vez. Os céus ganhavam um Bandeirante pilotado pelo major Mariotto Ferreira e pelo engenheiro Michel Cury, que mais tarde viria a ser diretor comercial da Embraer. O voo deu o impulso que faltava para o abnegado time. Em última análise, foi nesse dia que, ao menos no espírito desses homens, nasceu a Embraer. Mas se o grupo estava empolgado, o mesmo não podia ser dito dos empresários de nossa aviação e da cadeia de fornecedores necessários para produzir o avião. A ideia de uma indústria aeroespacial brasileira era por demais avançada, mesmo nos “anos ufanos” da década de 70. Os esforços de Ozires e equipe para convencer os industriais brasileiros não obtinham sucesso. Sem desanimar, Ozires finalmente conseguiu encontrar a saída. O plano de Ozires era simples e lógico: seria criada uma empresa de capital misto, com aportes do governo, que colocaria 10 milhões de dólares e manteria o controle acionário com 51% das ações. O restante seria investido pela iniciativa privada, através de um programa de incentivo fiscal que permitia às empresas interessadas deduzir 1% do imposto de renda devido à União para investir em ações da nova companhia. Em 19 de agosto de 1969, o decreto-lei nº 770 criava a Embraer – Empresa Brasileira de Aeronáutica, nome sugerido pelo engenheiro Antônio Garcia da Silveira.
A Embraer passou a ocupar um terreno de 2,5 milhões de metros quadrados, próximo ao aeroporto de São José dos Campos. Na prática, a Embraer começou a operar em janeiro de 1970, tendo como efetivo um grupo de 150 profissionais contratados dentre as cerca de 300 pessoas que faziam parte da equipe que havia projetado o Bandeirante no CTA. Entre eles, é claro, o próprio Ozires Silva, diretor-superintendente da nova empresa. Muitos outros que hoje ocupam cargos de diretores ou gerentes na Embraer, também pertenciam àquele grupo. Uma ausência foi a do francês Max Holste, que se mudou para o Uruguai pois não acreditava que aquela equipe pudesse colocar um único Bandeirante em produção. Holste só errou por 500 unidades. O Ministério da Aeronáutica fez sua parte, ao encomendar 80 Bandeirante e 112 jatos de treinamento MB-326, que seriam fabricados sob licença da italiana Aermacchi, e conhecidos por EMB-326GB Xavante. Além disso, o Ministério da Aeronáutica decidiu também transferir dois programas em andamento para a Embraer. O primeiro deles era um planador de alto desempenho, o Urupema, cujo primeiro voo havia sido realizado em janeiro de 1968. O outro, um avião agrícola, o Ipanema, que estava sendo desenvolvido com verbas fornecidas pelo Ministério da Agricultura. Esses programas garantiriam a sobrevivência da companhia por alguns anos, até que ela tivesse capacidade de voar com as próprias asas.
Fonte:
http://www.cta.br/historico/projhist.htm
http://www.aer.mil.br/aeronaves/
http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/economia/2001/02/05/joreco20010205002.html
Cronologia do Desenvolvimento Científico e Tecnológico Brasileiro, 1950-200, MDIC, Brasília, 2002, páginas 53, 61, 65, 83, 175
Acesso em março de 2002
http://www.iae.cta.br/AtividadesAeronauticas/historiaaeronautica.html
Acesso em novembro de 2002
http://www.jetsite.com.br/mostra_fabricantes.asp?Codi=31
Acesso em setembro de 2004
Agradeço a Eduardo Soares (eduardo.soares@embraer.com.br) pelo envio de informações referentes aos dados técnicos do EMB110 e EMB111 enviadas em agosto de 2004