O Brasil está entrando para um seleto grupo de países que produzem ventrículos artificiais. O equipamento desenvolvido pelo Incor já está praticamente pronto e começou a ser utilizado em 2001: “Este tipo de equipamento só é produzido nos EUA, na Alemanha e no Japão”, afirma Adolfo Leiner, diretor do centro de Tecnologia Biomédica do Incor. O ventrículo artificial funciona substituindo as funções do ventrículo do coração, mas sua utilização não exige a extração do órgão, “permitindo que o coração do paciente possa se recuperar”, diz. Isso não acontece com o coração artificial completo desenvolvido pela equipe da Universidade de Louisville (EUA), que exige a retirada do órgão para que o mecanismo possa ser instalado. O equipamento brasileiro, chamado DAV-Incor (Dispositivo de Assistência Ventricular), é não implantável, ou seja, ele fica do lado de fora do corpo. O aparelho, que fica preso à região do abdômen, é circular, com aproximadamente 9 cm de diâmetro. Embora realizem tarefas parecidas o ventrículo brasileiro e o coração americano têm propósitos distintos. O primeiro serve como “ponte para transplante”, ou seja, um aparelho provisório, usado apenas enquanto o paciente não consegue um órgão transplantável. O coração americano seria um “primeiro passo para uma reposição mecânica do coração”, diz Leiner.
Adolfo Leirner, médico e engenheiro que projetou e construiu o primeiro marcapasso de dupla câmara do mundo, atribui ao ITA à facilidade que adquiriu para transitar entre muitas áreas. “Isso se deve especialmente à excelente formação que tivemos em cadeiras científicas e tecnológicas. Desenvolvemos no ITA bom senso, conhecimento e sobretudo capacidade de resolver novos problemas”, completa. Nomes como o do médico Adolfo Leirner que, apesar de ter mudado de ramo, ainda se sente portador da chama acesa pelo Brigadeiro Montenegro, fundador do ITA. “Sinto que pertenço ao grupo de jovens corajosos que, apesar do risco, foram para São José dos Campos, para constituir a elite dos engenheiros do Brasil”.
A assistência circulatória mecânica (ACM) tem sido utilizada em casos de choque cardiogênico por várias afecções, após cirurgia cardíaca por disfunção ventricular, e nos casos de cardiomiopatia terminal com instabilidade hemodinâmica. Esta última condição, quando há indicação para transplante (Tx) se denomina ponte para transplante. A população de potenciais candidatos a esse tipo de terapêutica é muito grande. Estima-se, a partir da incidência de infarto do miocárdio na população e da mortalidade desses pacientes por falência cardíaca, que nas Américas, Europa e Japão, existem 500.000 candidatos a ACM. A falência miocárdica grave após cirurgia cardíaca, que foi de 10% e hoje caiu para 1%, também se constitui em número considerável de pacientes. Dos pacientes em fila de espera para Tx em estudo cooperativo americano 25% morrem antes que se consiga um doador. Boa parte deles tem morte por descompensação cardíaca e poderia se beneficiar da ACM.A unidade bombeadora consiste de uma caixa externa rígida dividida em duas metades, feita de resina epóxi moldada em borracha de silicone RTV. Uma membrana lisa de poliuretano, reforçada com tela de algodão, divide a estrutura em duas partes, que constituem a câmara de sangue e a câmara pneumática. A câmara de sangue possui, portanto, duas paredes, uma, a membrana de poliuretano e, outra, a caixa de epóxi. Esta última, no seu lado em contato com o sangue é revestida de poliuretano com acabamento liso. A concordância entre a caixa e a membrana é preenchida com poliuretano a fim de evitar uma junção muito aguda que facilitaria a formação de trombos. A câmara pneumática apresenta construção semelhante, mas dispensando o revestimento de poliuretano sobre o epóxi. A câmara de sangue possui duas comunicações com a parte externa, uma para entrada e, outra, para saída do sangue. Nelas são ancorados anéis de montagem para fixação de válvulas de pericárdio bovino, especialmente, destinadas à função. A válvula de admissão de sangue possui diâmetro de 25mm e a de ejeção 23mm.
O sistema permite dois tipos de canulação para admissão do sangue: através do ápice do ventrículo ou através do átrio. Uma única unidade propulsora é capaz de acionar dois DAV simultaneamente, permitindo assistência uni ou biventricular. A energia elétrica para sua alimentação é fornecida pela rede elétrica do hospital ou por baterias contidas no conjunto. O ar comprimido é obtido na linha do hospital ou então num torpedo também contido no conjunto. Estas características permitem o transporte ou deambulação do paciente e, também, a operação do equipamento na ausência de energia elétrica do prédio. O propulsor é capaz de fornecer pressão pneumática até 100mmHg para a linha destinada à assistência ventricular direita e 200mmHg para assistência esquerda. O ar comprimido é comutado por válvulas solenoides controladas por um microcomputador industrial tipo PC, de alta confiabilidade, que utiliza para memória permanente discos ROM em vez de discos magnéticos.
O propulsor permite operação num dos seguintes modos: Modo full to empty (cheio para vazio) – neste modo, a sístole do DAV ocorre quando ele estiver totalmente cheio de sangue. O volume de sangue que entra na câmara correspondente é medido de modo não invasivo, através do volume de ar que deixa a câmara pneumática (simplificadamente, durante a admissão, o volume de ar que deixa o DAV é igual ao do sangue que nele entra). O volume de ar que deixa o DAV é medido através da diferença de pressão entre um ponto da linha pneumática, próximo ao dispositivo e a pressão atmosférica no fim desta linha, que tem comprimento e secção definidos (portanto, resistência pneumática conhecida). A integral matemática no tempo desta diferença de pressão, executada pelo software, nos fornece o volume de ar e, portanto, o volume de sangue. O sistema pode ser regulado para deflagrar a ejeção quando qualquer volume sanguíneo pré-determinado seja admitido no dispositivo.
Quando este volume predeterminado for igual ao volume máximo da câmara de sangue, a operação full to empty é obtida. A duração da fase de ejeção pode ser regulada para representar qualquer fração desejada do ciclo total. Se, por falta de entrada de sangue, a frequência de bombeamento cair abaixo de um limiar pré-fixado, um ritmo de frequência fixa passará a comandar o DAV. Modo controlado pelo ECG – o DAV pode ser comandado para iniciar sua ejeção após cada onda R do ECG do paciente. O intervalo de tempo entre a onda R e o início da ejeção do DAV, bem como a duração desta ejeção, são reguláveis pelo operador. O dispositivo pode disparar a ejeção nas razões de 1:1 até 1:16 em relação à frequência do coração do paciente. Esta última característica pode ser útil num procedimento visando um desmame gradual. Modo assíncrono – o dispositivo pode funcionar de forma livre sem estar sincronizado a nenhum evento.
Tanto a frequência quanto à duração da ejeção podem ser ajustadas pelo operador. Para definirmos o tipo de DAV a ser projetado, inúmeros fatores foram tomados em consideração. A complexidade de muitos DAV existentes é, em grande parte, resultado de circunstâncias históricas. Muitos dos dispositivos, atualmente em uso clínico, são frutos das pesquisas iniciais para obtenção de uma prótese cardíaca ou ventricular permanente. Os resultados decepcionantes obtidos neste sentido fizeram que este objetivo fosse postergado para o próximo século. No entanto, as próteses permanentes que tinham uma concepção e tecnologia insuficientes para substituição definitiva do coração, tinham-na de sobra para assistência circulatória temporária. O tempo de assistência em ponte para transplante tem sido em média 26 dias e em assistência no choque cardiogênico pós-cardiotomia 3,9 dias Estes tempos são bastante pequenos quando comparados aos necessários para uma prótese permanente. Os DAV podem, de fato, ser bastante simples e provavelmente entrarão para a rotina quando se perceber que sua tecnologia, em muitos aspectos, é mais simples que a CEC habitual. Kolff defende a utilização e já estimulou a fabricação de inúmeros protótipos de grande simplicidade e baixo custo. O DAV Incor pode ser descrito sinteticamente como um dispositivo de assistência ventricular de acionamento pneumático, com membrana livre, superfície interna lisa, válvulas de pericárdio bovino e de instalação paracorpórea. A construção desse tipo de equipamento pode ser de custo relativamente baixo, viabilizando sua construção em nosso meio. Como categoria, se assemelha ao DAV Pierce-Donachy (ThoratecR) , que tem mostrado resultados de sobrevida equivalentes aos de concepção mais complexa e ser capaz de assistências prolongadas, tendo efetuado ponte para transplante de até 248 dias.
O nosso desenvolvimento de um sistema pulsátil e não de fluxo contínuo foi ditado pela controvérsia ainda não resolvida a respeito da adequação do fluxo contínuo à assistência circulatória prolongada. Devemos reconhecer que as bombas centrífugas têm sido usadas em ponte para transplante com resultados apenas ligeiramente inferiores às pulsáteis . No choque cardiogênico pós-cardiotomia, seu uso ultrapassa em número as bombas pulsáteis e seu resultado é equivalente aos destas últimas. Apesar dos bons resultados, têm sido destinadas preferencialmente à assistência circulatória de menor duração, com tempo médio em ponte de 6,1 dias. As assistências com as bombas centrífugas existentes no mercado têm sido mais curtas pois, entre outros fatores, sua disposição física requer certa imobilidade do paciente, além da troca frequente da unidade descartável. No entanto, notáveis progressos vêm sendo feitos no projeto de pequenas bombas implantáveis de fluxo contínuo que, por seu pequeno porte e simplicidade de acionamento, poderão revolucionar a situação atual, especialmente se concluirmos pela adequação fisiológica do fluxo contínuo.
O acionamento pneumático permite um projeto de tecnologia mais simples e acessível. Os DAV de acionamento elétrico, usado nas formas alternativas eletromecânicas ou eletro-hidráulica, requerem componentes especiais de projeto e fabricação muito difíceis para o nível de confiabilidade necessária. O acionamento elétrico permite uma bomba implantada dentro do corpo com transmissão de energia através da parede sem uso de fios. Uma vez escolhido o acionamento pneumático, a membrana livre representa uma opção simples e confiável para impulsionar o sangue, nada devendo ao sistema pusher-plate. As válvulas de pericárdio, ao menos potencialmente, não exigem anticoagulação. Sua construção é bastante conhecida em nosso meio. Ensaios em válvulas isoladas realizados no Incor em máquina de fadiga (ShelhighR), fazem prever resistência mais do que suficiente para o tempo de uso e solicitação mecânica previstos para aplicação em DAV. A instalação paracorpórea dificulta, mas não impede a movimentação e o exercício do paciente.
O DAV Pierce-Donachy (ThoratecR) já permitiu pontes para transplante de até 248 dias. O modo preferencial de controle do ventrículo permanece uma questão aberta. Foram descritos sistemas que vão desde a simplicidade do modo assíncrono de frequência fixa até controles que ditam o débito a partir de cálculos vinculados à resistência periférica ou ao consumo calculado de oxigênio. Nossa preferência recai sobre o modo full to empty por atuar como uma forma de mecanismo de Starling mediado por frequência em vez de inotropismo. Mantém uma comunicação funcional com o restante do organismo através da pressão de enchimento, permitindo a manipulação do paciente através da administração de fluidos e de substâncias vasoativas, tornando o controle do ventrículo artificial, propriamente dito, praticamente desnecessário. Nosso sistema não invasivo de controle tira informações a respeito do débito a partir da fase de enchimento tal como o da Universidade de Utah.
Fonte: http://200.202.6.194/cardnet/abc/1994/v63n3/v63n3a15.pdf
http://200.202.6.194/cardnet/abc/1994/v63n3/v63n3a18.pdf
http://sibicce.usp.br:4500/ALEPH/POR/EPT/EPT/TESEPT/FIND-ACC/0201801
Acesso em março de 2003
Jornal Folha de São Paulo, 03.07.2001
http://www.fcmf.org.br/files/NotaveisdoITA.htm
Acesso em junho de 2005