É do engenheiro químico formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC,) Expedito José de Sá Parente, a primeira patente brasileira em biodiesel, um sucedâneo do óleo diesel mineral, produzido a partir de óleos vegetais ou gorduras animais. Ele pediu para patentear o biocombustível em agosto de 1980 no Brasil, e a patente foi obtida em 1983. Os estudos começaram em 1978, quando ele era professor do Departamento de Engenharia Química do Centro de Tecnologia da UFC. Hoje, é presidente da TECBIO, empresa que projeta plantas industriais de biodiesel. A inspiração para criar o biodiesel veio de uma planta, o ingá, mas foi nos laboratórios dessa universidade pública, situada em Fortaleza, que nasceu o biocombustível. O biodiesel é produzido através de uma reação química denominada de transesterificação, aplicada ao óleo vegetal ou animal, matérias prima para o combustível. Trata-se de uma reação química entre um éster, no caso a gordura animal ou o óleo vegetal, e um álcool, que pode ser o metanol ou o etanol. A reação separa a glicerina dos óleos vegetais. O processo inicia-se juntando o óleo vegetal com um álcool simples e catalisadores, usados para acelerar a reação. A glicerina é removida do óleo vegetal por decantação, que separa os compostos sólidos dos líquidos, deixando o óleo mais fino e reduzindo a sua viscosidade. A glicerina é uma substância de alto valor agregado, usada por indústrias farmacêuticas, de cosméticos e de explosivos.
“O processo de transesterificação é conhecido há muitos anos. O que eu patenteei foi á produção de ésteres para o uso como combustível em motores do ciclo diesel, o que é inteiramente diferente do que fez Rodolfo Diesel”, esclarece ele, citando o criador dos motores diesel. “Quando Diesel rodou pela primeira vez com seu motor, usou como combustível o óleo de amendoim, mas movido a óleo vegetal in natura”, acrescenta. Os motores modernos não poderiam rodar por um tempo prolongado usando um óleo vegetal nas condições testadas por Diesel. A dedicação de Expedito Parente ao biodiesel começou a render frutos a partir de 2001, com a fundação da TECBIO, hoje com mais de 60 funcionários.
A aplicabilidade do diesel vegetal foi descoberta na Década de 70 por Expedito Parente, então professor da Universidade Federal do Ceará. No dia 30 de outubro de 1980, a descoberta foi anunciada em Fortaleza (CE). “O projeto não foi adiante por causa da ênfase na época ao Programa Nacional do Álcool (Proálcool)”, afirma Parente. Mesmo assim, mais de 300 mil litros foram usados em testes por grandes montadoras. Na Alemanha, no entanto, experiências similares seguiram adiante, e hoje o país tem cerca de 800 bombas de biodiesel nos seus postos de combustível, produzido com base na “colza” (uma variedade de couve), diz Parente. O invento foi patenteado e seu desenvolvimento está sendo retomado pela TECBIO, incubada por Expedito Parente e José Neiva no PARTEC, a incubadora do NUTEC.
“Eu pesquisava novas matérias-primas e processos para produção de álcool, no início do Pró Álcool, em 1975. Percebi que o álcool não ajudaria a diminuir as importações de petróleo, o objetivo do Pró Álcool na época, porque o Brasil precisava de diesel. Também notei que o álcool é um combustível para veículo de passeio, enquanto o diesel é um combustível que atende o coletivo, pois serve para motores grandes, caminhões, trens, tratores, para gerar energia elétrica. Então, perdi a motivação por continuar a estudar o álcool, apesar do etanol ser uma grande alternativa ao petróleo. Certo dia, estava em meu sítio, sentado embaixo de uma árvore chamada ingá. A vagem dessa planta abriga sementes e essas têm um óleo. Ao ver essa planta, tive a ideia de conceber o biodiesel. No laboratório, produzi pela primeira vez os ésteres, substâncias que já eram conhecidas. O mérito desse estudo foi apostar naquela molécula para produzir combustível”
“O primeiro óleo vegetal utilizado para produzir biodiesel foi o óleo de algodão, muito disponível no Ceará. Na universidade [a UFC, Universidade Federal do Ceará] tinha um velhinho, na época com quase 90 anos, que era um grande conhecedor de motores. Eu quis experimentar o óleo em um motor e esse velhinho me deu um motor diesel pequeno, uma sucata. Falou que o motor não estava funcionando bem nem com óleo diesel, mas fizemos um litro desse produto, testamos e funcionou bem. Esse senhor me animou, disse para eu prosseguir com os estudos, já que esse motor funcionou bem com o produto, o que já não ocorria nem com o óleo diesel”.
A primeira patente não teve exploração comercial porque o governo não se interessou, em grande parte porque todas as atenções estavam voltadas para o Pró Álcool: “Naquela época ninguém acreditava no biodiesel. Fui tido como louco. Fizemos esse programa de testes, enfrentamos problemas, pois a gente não tinha especificação, mas conseguimos ajustar os padrões de qualidade desse novo combustível. Como não houve interesse, abortamos o projeto. E em 1991, os alemães e os austríacos começaram a produzir biodiesel.” e prossegue “A ideia nasceu em 1977. Passamos 1978 fazendo revisões bibliográficas, estudando novas alternativas no laboratório, testando motores, até termos a certeza de que a melhor opção seria os ésteres. Construímos uma pequena unidade-piloto. Fizemos testes regulares e sistemáticos com veículos que faziam manutenção de linha da Companhia de Eletricidade do Ceará (Coelce), hoje privatizada. Esses testes foram muito bons, superaram as nossas expectativas. Testamos nessa época o biodiesel puro, o B100. Na época, nós chamávamos o projeto de Pró Diesel , por causa do Pró Álcool. Em 30 de outubro de 1980, fizemos o lançamento do biodiesel em Fortaleza. Convidamos fabricantes de motores Diesel de todo o mundo. O vice-presidente, Aureliano Chaves, veio na festa, representando o presidente João Figueiredo, que viajava. Um ônibus circulou pela cidade com biodiesel puro, transportando os cerca de mil convidados para a festa. Fizemos um convênio com a Anfavea [Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores], para um programa de testes com diversas marcas de motores. Produzimos cerca de 300 mil litros de biodiesel, durante 1981 e parte de 1982. Era um biodiesel de soja, mas também estudamos outras matérias-primas como algodão, amendoim, girassol, babaçu, maracujá, até óleo de sardinha”.
Aos 66 anos, casado pela segunda vez, pai de quatro filhos, um deles engenheiro deles engenheiro químico, Expedito Parente está finalmente ganhando dinheiro com sua invenção. No ano passado, a TECBIO, que tem sessenta funcionários, dos quais quarenta são engenheiros e economistas, faturou 18 milhões de reais. Tem clientes na Espanha, no Vietnã e nos Estados Unidos e já possui representantes em outros países da América do Sul, do Caribe e da África. Entre seus clientes está a Boeing, a maior fabricante de aviões comerciais do mundo. E o que Parente faz para a empresa americana? Desenvolve o bioquerosene, exatamente como tentou fazer para a FAB há trinta anos. O acordo é sigiloso e supervisionado pela NASA, a agência espacial dos Estados Unidos. Sabe-se que os testes com o combustível já estão bastante avançados. Não será surpresa se, em algum momento, os aviões comerciais começarem a operar com combustível vegetal inventado pelo brasileiro. Ponto para os americanos. “Hoje ganho algum dinheiro, que não tenho tempo para gastar”, diz o professor, em tom de brincadeira. Expedito Parente está feliz. Afinal, recebe por sua invenção, embora não diga quanto, e ainda tem o prazer de vê-la na vitrine das campanhas pela preservação do meio ambiente e como alternativa energética para um futuro próximo. Ele conta: “Em 2001, fiz um passeio com meu filho pelo interior da Alemanha e lá vi uma bomba de biodiesel num posto. Fiquei alegre de ver minha invenção difundida, mas frustrado porque aquilo não estava ocorrendo no Brasil. Agora, as coisas estão mudando. Tenho paciência. Sou um homem realizado”. . “As reações químicas que permitiam obter um combustível vegetal já estavam teoricamente descritas na literatura havia cinquenta anos. O que fiz foi aplicá-las”, explica o professor, que registrou a patente do seu invento três anos depois – mas só agora, trinta anos mais tarde, começa a ver sua ideia se popularizar como uma solução para os problemas energéticos e ambientais do planeta. “Demorou para deslanchar, mas eu sou paciente e não desisti do meu sonho”, diz ele, no escritório da sua empresa, a TECBIO, instalada no centro de Fortaleza. A Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial (NUTEC) conclui em setembro de 2002 a construção de uma planta industrial para a produção de biodiesel de mamona para a Universidade Federal do Piauí. O NUTEC já fez todos os testes de desempenho do combustível alternativo em motores de veículos e avião, com resultado positivo. O biodiesel pode ser produzido a partir de todo óleo vegetal e até animal, como óleo de peixe. No caso do combustível feito a partir do óleo de mamona, que tem uma viscosidade maior, ele precisa ser misturado na proporção de 20% de biodiesel para 80% de diesel comum para ser usado. Na sua combustão, não há emissão das substâncias mais poluentes (que contêm enxofre), encontradas nos combustíveis fósseis.
A unidade recebeu investimento de R$ 320 mil, com capacidade de produção para 200 litros por hora de óleo diesel vegetal a base de mamona. Para suprir a demanda anual da matéria-prima, se a fábrica piloto produz 8 horas por dia, é necessário o plantio de 600 hectares de mamona, o suficiente para uma renda complementar de 600 famílias. Também o NUTEC, com financiamento de R$ 175 mil da Fundação Cearense de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), está iniciando a montagem de outra planta piloto para produção contínua de 5 mil litros por dia de óleo diesel vegetal extraído da mamona. O projeto da empresa recebeu este mês R$ 40 mil do Fundo de Desenvolvimento Industrial (FUNDECI) do Banco do Nordeste. As duas unidades industriais piloto e a TECBIO colocam de novo no mercado o biodiesel, combustível já usado em alguns países da Europa e EUA, mas que ainda não foi regulamentado no Brasil pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). O biodiesel volta a ser produzido no cenário atual em que paira ameaça de disparada do preço do barril de petróleo no mercado internacional.
O ex-presidente do NUTEC, o engenheiro Arquimedes Bastos, aposta no biodiesel como solução para a substituição de uma parcela do consumo de combustível fóssil e ao mesmo tempo como fonte para a geração de emprego no campo. Segundo ele, o Brasil detém a tecnologia para a produção de mamona, através de novos cultivos desenvolvidos pela Embrapa. “A produção de mamona para biodiesel significa uma revolução no campo, no Nordeste, uma perspectiva de aumento de renda para 6 milhões de pessoas, se plantarmos 6 milhões de hectares”
O deputado Ariosto Holanda, ex-secretário da C&T, levou ao Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara Federal a proposta de regularização urgente do biodiesel, como saída para substituir importação de petróleo. “É possível extrair o diesel de plantas do Norte e Nordeste estudadas pelo NUTEC – o dendê no Pará, o babaçu no Maranhão, a mamona no semiárido do Nordeste, onde o Ceará e Piauí partem na frente”. A principal vantagem sobre o produto de origem mineral é que o biodiesel vegetal não é poluente, pois não possui enxofre. O pesquisador da UFCE diz que ambos são equivalentes no que se refere à combustão, por isso não necessita de adaptações ou modificações dos motores como ocorre com o gás natural. O diesel vegetal pode gerar a maior reforma agrária do país, uma vez que as comunidades rurais irão produzir um insumo que tem mercado garantido. A renda familiar que gira em torno de R$ 60, com este projeto pode chegar a R$ 500 no mínimo. Nos anos de seca, a mamona traz uma renda garantida, mesmo com a agricultura de sequeiro.
As exportações são melhor negócio para a produção de mamona e do biodiesel, além das vantagens no mercado interno. O preço internacional do litro de biodiesel é de US$ 0,72. De acordo com Arquimedes Bastos, se o Brasil conseguir produzir óleo de mamona por um custo de até US$ 400 por tonelada, viabiliza o negócio. Um hectare plantado é suficiente para gerar até mil litros do combustível. Na Alemanha existem mais de mil postos de combustível vegetal, extraído da colza. Na França, o maior produtor mundial com 400 mil toneladas por ano, há sete refinarias de biodiesel. A União Europeia determinou que deve ter base vegetal 2% de todo combustível queimado na região até 2005. Os EUA querem produzir 20 bilhões de litros por ano.
Além da mamona, o feijão caupi, variedade mais resistente à seca, está sendo plantado intercalado com a mamona para aproveitar o espaço e ser uma alternativa de renda e de alimento no sertão. As experiências efetuadas no módulo da Embrapa, cuja área é de 1 ha, já mostraram que a mamona precisa de 300 milímetros a 400 milímetros de chuva no seu ciclo, que é de cinco meses. Depois de extraído o óleo, a sobra (chamada de torta ou farelo) ainda pode ser usada como ração animal. No caso da mamona, é preciso desintoxicar o farelo antes de transformá-lo em ração. É possível também transformar a madeira do caule em adubo.
Com o envolvimento de outras instituições de pesquisas, da Petrobras e do Ministério da Aeronáutica, foi criado o Pró Diesel em 1980. O combustível foi testado por fabricantes de veículos a diesel. A UFCE também desenvolveu o querosene vegetal de aviação para o Ministério da Aeronáutica. Após os testes em aviões a jato, o combustível foi homologado pelo Centro Técnico Aeroespacial. De acordo com o coordenador do Núcleo de Fontes Não-Convencionais de Energia da UFCE e descobridor do diesel vegetal, Expedito José de Sá Parente, com a estabilização do preço do petróleo e o desinteresse da Petrobras, as atividades de produção experimental do óleo diesel vegetal foram encerradas. “O mesmo não aconteceu em outros países, principalmente na Europa e na América do Norte,” diz Parente. O pesquisador conta que, em 1990, 10 anos após a sua concepção no Brasil, o Pró Diesel foi ressuscitado na Europa com o nome de Biodiesel. Os alemães foram dos que mais avançaram, produzindo o combustível vegetal. Na Alemanha há mais de 600 postos que utilizam o biodiesel misturado ao diesel mineral, que abastece uma frota de 100 mil veículos. Segundo Expedito Parente, a França é hoje a maior produtora mundial do biodiesel.
“O uso do biodiesel misturado com o diesel mineral visa melhorar as emissões dos motores, em especial por meio de eliminação das mercaptanas, substâncias ricas em enxofre, extremamente danosas à saúde dos animais e das plantas”, explica o pesquisador cearense.
O biodiesel extraído da semente da mamona tem sido também objeto de estudos pelo CENPES, sob coordenação do pesquisador Carlos N. Khalil, e atualmente em início de 2003 em testes em laboratório no Rio Grande do Norte. A mamona se adapta bem ao clima brasileiro, podendo ser cultivada sem restrições de solo e clima, sendo adequada para uso na obtenção do biodiesel pelo fato de que 50% de sua semente é formada por óleo. Na soja por exemplo, apenas 18% do que é extraído tem oleosidade. A semente de mamona passa por um processo de transesterificação. A reação química ocorre após a trituração da semente na presença de álcool etílico e provoca uma quebra das moléculas do óleo em três partes de biodiesel e uma parte de glicerina, deixando-o mais fino. Isso facilita a entrada do biodiesel no motor, aumentando sua inflamabilidade e lubricidade, principais objetivos de um combustível do tipo diesel: “Uma tonelada de mamona produz mais biodiesel do que uma tonelada de petróleo de diesel”, assegura Khalil. “Por enquanto, o objetivo é usar 5% e em breve chegaremos a 30% de biodiesel misturado ao diesel de petróleo”. É verdade que na descarga do veículo movido a biodiesel também se lança CO2 no meio ambiente, mas a mesma quantidade é retirada com o plantio de mamona, que pela fotossíntese retira o CO2 da atmosfera. Além disso o biodiesel não contém enxofre, responsável pela chuva ácida.
Parente explica que “Apesar do programa do álcool, no meu entendimento, ter inibido o avanço em biodiesel no Brasil, foi um excelente professor, uma experiência extremamente positiva para a formulação do atual programa de biodiesel. Tivemos uma redução drástica do custo de produção do álcool, graças aos investimentos em P&D que aumentaram a produtividade agrícola. Houve também melhorias no processo de produção de álcool, devido a inovações tecnológicas. O melhor uso do bagaço na geração de energia elétrica é resultado do esforço em P&D. Essa mesma rota vai acontecer com o biodiesel. A Embrapa, por exemplo, está envolvida em estudos que aumentem a produtividade de oleaginosas. Quando se produz biodiesel, obtemos uma série de resíduos agrícolas, florestais, temos produção de glicerina, que podem se transformar em subprodutos, se agregarmos valor. O setor de pesquisa e desenvolvimento relacionado com o universo do biodiesel é muito rico, muito mais do que o da cana. Diria que está tudo por fazer. Na TECBIO, estamos trabalhando com aproveitamento de vários produtos da glicerina, com resíduos das cadeias produtivas dessas oleaginosas, com a produção de hidrocarbonetos, de produtos energéticos. A TECBIO oferece bolsas para estudantes de pós-graduação. Temos técnicos na Alemanha e nos Estados Unidos trabalhando em áreas de nosso interesse.”
Fonte: http://www.cia-info.ufrgs.br/news/jc2002sep03
http://200.177.98.79/jcemail/Detalhe.jsp?id=4522&JCemail=2111&JCdata=2002-09-03
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u4465.shtml
http://www2.uol.com.br/JC/_2002/0202/vc2701_2.htm
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u4467.shtml
http://www.pick-upau.com.br/informativo/03.12/mamona.htm
http://www.arvore.com.br/noticia/2002_1/n0805_5.htm
acesso em março de 2003
http://www.abiodiesel.org.br
acesso em junho de 2005
http://www.inovacao.unicamp.br/report/entre-expedito.php
http://www.fapepi.pi.gov.br/sapiencia2/entrevista-novo.php
acesso em fevereiro de 2007
Ricardo Brito, de Fortaleza Revista Veja – 05.03.2007 http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/files/expedito_parente_viu_a_molcula.doc
acesso em setembro de 2009