Deficientes Físicos

DosVox

Marcelo Pimentel, atualmente programador do DOSVOX, entrou na faculdade como qualquer outro aluno, prestando vestibular. No Instituto Benjamin Constant, pessoas leram questões da prova para ele e Marcelo, em sua máquina de escrever, datilografou as respostas. Resultado: aprovado. Marcelo iniciou seu curso, não tendo muitos problemas com as matérias teóricas – contava com a ajuda de amigos e, principalmente, de seu pai. Porém, para trabalhar diretamente com o computador, fazer rodar um programa, era bem mais complicado, não podia lidar com isso sozinho. Quando começou a cursar a disciplina CVGA, o professor Mario de Oliveira, depois de conversar com Marcelo, sugeriu a ele que fizesse um projeto de iniciação científica, com o objetivo de desenvolver um sistema que fizesse o computador “falar”. Marcelo aceitou a ideia, pesquisou, descobriu que no SERPRO havia muitos cegos que trabalhavam com informática e conheceu os equipamentos por eles utilizados – um computador, uma impressora a braile, um scanner de mesa, um sintetizador de voz e um programa em inglês que permitia que se ouvisse o que estava sendo feito no micro, porém a fala deste sistema era toda em inglês e a voz utilizada era muito ruim e de difícil entendimento.

 

Logo escreveu o projeto solicitando à reitoria a aquisição destes equipamentos para que pudesse trabalhar. Uma sala no Laboratório de Informática do NCE foi cedida a ele, juntamente com os equipamentos, porém não havia ninguém que pudesse ajudá-lo, deixando-o assim desestimulado para dar continuidade ao projeto, que acabou sendo deixado um pouco de lado. Dando prosseguimento ao seu curso na universidade, iniciou as aulas da disciplina Computação Gráfica, lecionada pelo professor José Antônio dos Santos Borges, mais conhecido na faculdade por Antônio II.

Antônio Borges, que teve uma vida bem variada dentro da universidade, trabalhando em diversas áreas como sistemas operacionais, sistemas comerciais, construção de equipamentos especiais, computação gráfica, entre outros – quando percebeu que daria aulas de Computação Gráfica para um deficiente visual, a primeira ideia que lhe passou na cabeça foi a de dar dispensa ao aluno, mas, depois de conversar com Marcelo, refletiu melhor e resolveu tentar encontrar uma maneira mais construtiva de resolver este problema.

Marcelo, que ainda estava no segundo período da faculdade, lhe contou que sabia programar e que tinha um XT em casa, no qual digitava e programava totalmente às cegas e depois pedia para seu pai ler tudo que ele havia produzido para que pudesse conferir se estava tudo certo. Seu pai era seus olhos. Entretanto, esta dependência era muito incômoda para Marcelo, que também comentou com Antônio sobre seu projeto de iniciação científica que estava pronto para começar a ser desenvolvido, sobre sua vontade de fazer o computador “falar” em português, de um modo compreensível, para que pudesse se tornar mais independente. Então, Antônio combinou com ele que cobraria apenas a parte teórica da disciplina e, em vez de Marcelo se preocupar com a parte gráfica, deveria tocar este projeto, juntamente com Antônio.

Deram, assim, início às pesquisas. Marcelo descobriu que um ex-professor dele tinha feito um programa que “falava” em português através de um speaker, porém, a qualidade da voz era péssima e, além disso, o programa não oferecia interatividade nenhuma com o usuário. Mas, apesar disso, Marcelo conseguiu utilizá-lo e pôde assim, passar a fazer algumas coisas sozinho no computador, dando mais agilidade ao processo.

Começaram, primeiramente, a trabalhar com a parte da voz. Antônio fez todo o sistema de “fala” que existe hoje no DOSVOX, que é clara e de fácil entendimento. Marcelo construiu a primeira parte do programa, de maneira que pudesse interagir com o usuário e aplicou esta voz. Pronto, já existia um programa que lesse para Marcelo tudo que aparecia na tela de seu micro. Agora, teriam que fazer que o programa também permitisse que Marcelo pudesse editar seus arquivos. Pensando em um editor simples, como o Edit do DOS, construíram um que possibilitasse digitar, apagar e gravar um arquivo; foi quando, em dezembro de 1993, nasceu o chamado EDIVOX, editor do DOSVOX.

Uma vez que o sistema estava funcionando, Marcelo e Antônio perceberam que este programa poderia ser utilizado por outros cegos, facilitando muito a vida deles. O sistema foi aprimorado, para que ele pudesse ser utilizado por quem não entendesse nada de computador. Foi definida a interface padrão com o usuário, que se tornou modelo para o desenvolvimento de todos os mais de 60 programas que constituem hoje o sistema DOSVOX.

Resolveram, então, dar um curso, na própria UFRJ, sobre o DOSVOX, para deficientes visuais. Chamaram os poucos cegos alunos da universidade (eram somente 5 na época) e mais alguns conhecidos de Marcelo, formando assim, a primeira turma do curso, que tinha duração de uma semana. Neste curso, Marcelo ensinava como utilizar o sistema em si e também os macetes para lidar com o micro (como por exemplo, para saber se o computador está ligado ou não, basta colocar a mão atrás dele e verificar se o ventilador está ligado).

Depois deste curso, seguiram-se outros, o que foi muito importante para o desenvolvimento do sistema, porque na medida em que os cegos iam utilizando, descobriam dificuldades que podiam ser resolvidas, para facilitar o acesso. E foi assim que o DOSVOX foi sendo aprimorado. Os usuários exerceram um papel fundamental no desenvolvimento do sistema. A cada dia sugeriam mais e mais utilidades que poderiam ser acrescentadas ao programa, como teste de teclado (para decorarem as posições das teclas), agenda, calculadora, calendário, joguinhos, caderno de telefones etc.

Deste modo, o DOSVOX cresceu bastante e já havia vários cegos, de todo o Brasil, ligando todos os dias, pedindo informações, assistência e querendo adquirir o programa. Marcelo e Antônio já não estavam conseguindo dar conta do projeto sozinhos; então, chamaram um dos alunos que tinha feito o curso, Luiz Candido Pereira Castro, para assumir a administração do projeto, criando uma microempresa que se responsabilizasse pelas vendas e distribuição do produto, mas de maneira que não esquecesse o lado social do projeto, vendendo, assim, o DOSVOX pelo menor preço possível, com uma pequena margem de lucro, que seria revertida para o desenvolvimento do sistema. Em setembro de 1994, já havia mais de 200 pessoas na fila de espera pelo programa. Depois de 6 meses de lançado, o DOSVOX já contava com mais de 500 usuários em todo o Brasil.

Marcelo foi o ganhador do Prêmio Jovem Cientista de 1997, categoria Estudante, pelo desenvolvimento de ferramentas computacionais que possibilitaram uma maior independência a nível cultural dos cegos brasileiros. É atualmente o coordenador do Projeto DOSVOX, Sistema Operacional para Deficientes Visuais, o primeiro sistema comercial que sintetizou vocalmente textos genéricos na língua portuguesa. Foi o criador de diversos sistemas para auxílio a deficientes, incluídos aí o DOSVOX (para deficientes visuais), Teclado Amigo (para deficientes motores), Motrix (para tetraplégicos) entre outros. Na medida em que o tempo foi passando, perceberam que os usuários precisariam ter um suporte. Com uma pequena verba da universidade, compraram o equipamento e montaram um centro de atendimento no NCE chamado CAEC – Centro de Apoio Educacional ao Cego – que se tornou um polo de disseminação de tecnologias de computação para cegos, oferecendo especialmente o suporte aos usuários DOSVOX. O projeto DOSVOX é desenvolvido pelo Núcleo de Computação Eletrônica (NCE) da UFRJ e é um dos integrantes da Rede SACI – Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação. Agora, o Projeto SACI está distribuindo, gratuitamente, o kit SACI, uma versão especial do DOSVOX para Windows, não apenas para os deficientes mas para os familiares e instrutores dos deficientes, visando a interação dos deficientes com a sociedade.

Os esquemas de síntese de fala em língua portuguesa antes do DOSVOX se utilizam de elementos geradores de sons (sintetizadores) de preço relativamente alto, e que inibem sua utilização ampla em microcomputadores de propósito geral. A maior parte de tais sistemas se baseia em circuitos integrados conversores, preparados para a língua inglesa e que não conseguem sintetizar corretamente a fala em língua portuguesa. Existem também sistemas simples, baseados em placas conversoras geradoras de som, que tem suficiente generalidade para falar português, mas pelo fato de utilizarem placas internas ao microcomputador, inviabilizam que um programa executando num equipamento que não possua uma placa como esta, possa fazer uso de fala em língua portuguesa. Com o intuito de solucionar estes problemas, foi desenvolvida a presente invenção, que se constitui numa interface que, controlada por rotinas convenientes de programação, é capaz de sintetizar a língua portuguesa com fidelidade, num microcomputador que utilize uma interface convencional de impressora. A saída sonora produzida pela presente invenção é produzida num fone de ouvido convencional, sendo facilmente acopla da um amplificador externo de áudio convencional.

A presente invenção deve ser entendida através de dois elementos principais: o subsistema de conversão e o subsistema de conversão e amplificação. O primeiro elemento toma uma palavra genérica em língua portuguesa, realiza sua conversão através de um processo estilo “máquina de estados finitos” , gerando uma sequência de fonemas básicos. O segundo elemento toma a sequência de fonemas e os reproduz no fone de ouvido. Por questão de barateamento do método, a máquina de estados finitos não precisa ser realizada em circuito eletrônico, sendo implementada como uma rotina do computador ao qual est á acoplado o esquema de conversão e amplificação. A partir de uma palavra genérica em língua portuguesa, a máquina de estados finitos, toma suas decisões baseadas na tabela de associação grafema-fonema. O que a máquina realiza, em síntese, é identificar o grafema entre parênteses, dentro da palavra, e produzir como saída a lista de fonemas identificada à direita do sinal de igual. Os grafemas são testados pela sua vizinhança com outros grafemas, que podem ser letras específicas, vogais em geral, consoantes em geral, o início e o fim da palavra. Letras maiúsculas na tabela identificam que o fonema gerado será forte (sílaba tônica), substituindo a situação genérica de paroxitonicidade que é preferencial na língua portuguesa.

O método assim posto não produz uma tradução correta para todas as palavras da língua portuguesa. Para resolver as discrepâncias, as palavras que não se adequem ao método podem ser armazenadas numa tabela que é bastante pequena para ser armazenada numa memória de leitura exclusiva, que realize um “by-pass” da máquina de estados finitos. A tabela constitui-se em item relevante de originalidade neste pedido de patente. A partir da tradução fonética, a tradução para sons se realiza enviando os fonemas básicos, para o esquema de conversão e amplificação. Os fonemas básicos são armazenados na memória convencional do computador. Os fonemas básicos podem ser sintetizados algoritmicamente, ou como no caso da implementação corrente do sistema, ter sido previamente adquiridos de um microfone através de uma interface convencional de aquisição de som por computador. A etapa de conversão basicamente se realiza através do uso de um conversor digital para analógico por divisor resistivo. A alimentação elétrica deste conversor é tomada dos próprios sinais do conector de impressora do microcomputador (strobe, autofeed XT, init, select in). Um capacitor realiza uma filtragem do sinal para melhorar o sinal audível. Uma resistência variável ajusta o nível de saída. A etapa de amplificação é o segredo da qualidade sonora: dois amplificadores operacionais realizam de forma independente a amplificação dos níveis positivos e negativos da onda, conseguindo desta forma um nível suficiente para acionar um fone de ouvido convencional. Capacitores estrategicamente colocados fornecem energia durante a fala a pontos críticos do sistema. Os valores usados são altamente críticos.

O projeto tem um grande impacto social pelo benefício que ele traz aos deficientes visuais, abrindo novas perspectivas de trabalho e de comunicação. O projeto é resultado do esforço de muitas pessoas, entre as quais se destacam o Eng. Diogo Fujio Takano, projetista do sintetizador de custo baixo e o analista Orlando José Rodrigues Alves (in memoriam) desenvolvedor de grande parte do sistema, e Luís Candido, também cego, que foi o primeiro responsável pela distribuição do DOSVOX para o Brasil. Segundo ele, “o mundo não vai se amoldar às necessidades do cego. Ele é que tem que se adaptar às dificuldades impostas por este”.

 

Fonte:

http://caec.nce.ufrj.br/~dosvox/home2.html

acesso em fevereiro de 2002

http://caec.nce.ufrj.br/dosvox/index.html

http://www.revistadelsur.org.uy/revista.060/Nexo02.html

http://www.rnp.br/noticias/2000/not-000324b.html

http://www.ibcnet.org.br/Paginas/Cegueira/Cegueira_08.htm

acesso em julho de 2002

http://www.inf.ufsm.br/~rodcom/defdosv.html

acesso em janeiro de 2003