Meio Ambiente

Drenagem Pluvial por Fluxo de Marés

Uma das maiores obras de Saturnino de Brito, e a que o consagraria definitivamente, foi o saneamento de Santos. Era uma das cidades de piores condições sanitárias do país, com febre amarela endêmica, evitada pelos estrangeiros e mesmo pelos brasileiros, que só a visitavam por necessidade. Agravava a situação o fato da cidade estar em uma planície, dificultando a drenagem e o funcionamento de redes de esgotos por gravidade. Embora as condições sanitárias de Santos tivessem melhorado com a construção do cais do porto, a partir de 1892, eram ainda péssimas quando em 1905 Saturnino de Brito foi convidado pelo Governo do Estado para chefiar a “Comissão de Saneamento de Santos”. Era incumbência dessa comissão a reformulação dos sistemas de águas e esgotos da cidade, e o projeto e construção da drenagem pluvial; o serviço de águas e esgotos era explorado pela “City of Santos”, cuja rede de esgotos “mais desservia do que servia”.

 

Saturnino de Brito, que praticamente recebeu do Governo “carta branca” para agir como quisesse, já havia estudado o problema dos esgotos e drenagem de Santos, tendo inclusive, em 1903, publicado um opúsculo sobre esse assunto, no qual a solução apresentada divergia bastante do que era geralmente aceito naquele tempo. O projeto entregue ao Governo ainda em 1905, compreendia a substituição total da rede existente de esgotos sanitários, sendo os efluentes devidamente tratados antes do despejo no mar, reforma completa das instalações sanitárias domiciliares, e construção dos canais e rede de drenagem pluvial. No projeto dos esgotos de Santos foram utilizadas, pela primeira vez no Brasil, bombas centrífugas elétricas com comando automático nas estações elevatórias, em substituição aos ejetores de ar comprimido então universalmente empregados.

Na drenagem pluvial para o saneamento básico da cidade, houve uma solução genial para conseguir o escoamento de águas nos canais, que tinham de ser praticamente em nível, foram construídos vários canais paralelos cortando a ilha de lado a lado, nos quais o escoamento é promovido pela diferença de tempo de marés de um lado para o outro da ilha; assim, sem nenhum dispêndio de energia, a lavagem completa dos canais é feita duas vezes por dia. Esses canais tinham as paredes e o fundo em concreto armado, também um pioneirismo para a época em que foram projetados e construídos. Foi interessante também nessa obra o uso intensivo de peças pré-fabricadas de concreto (tubos, poços, caixas e etc), obtidas em um canteiro instalado e operado pela própria comissão, que conseguiu assim uma considerável redução nos custos. Para o efluente dos esgotos sanitários foi construído um longo emissário em tubos de ferro fundido de 70 cm de diâmetro, até a enseada de Itaipú – no continente -, onde o lançamento foi feito em local que não prejudicasse a cidade. Para a travessia da ilha ao continente, foi construída uma ponte pênsil, utilizada também para o tráfego.

Saturnino de Brito ficou em Santos até 1910, quando transferiu-se para o Recife a chamado do Governo pernambucano, deixando a obra de Santos entregue ao Eng. Miguel Frederico Presgreve, seu colaborador já há muitos anos. O novo sistema de esgotos foi inaugurado em 1914; os canais c emissários de drenagem pluvial só foram inteiramente concluídos; em 1927. De 1919, há uma noticiada conclusão do canal n° 6, “inteiramente revestido de “cimento armado” (sic), com 1.652 m de comprimento, contendo uma ponte, um pontilhão e 24 boeiros”. Como disse o biógrafo de Saturnino de Brito, “a obra realizada cm Santos foi do maior significado na constituição (ia escola brasileira de engenharia sanitária”. Foi a emancipação desse ramo da engenharia da dependência externa: numerosas soluções novas, peças sanitárias e preceitos técnicos foram estabelecidos e experimentados com sucesso nessa obra pioneira, e depois repetidos pelo próprio Saturnino de Brito em outras suas obras, e finalmente transformados em prática usual em nosso país. De 1905 a 1912, Saturnino de Brito desenvolveu o programa de saneamento, baseado no princípio de separar as águas de rios e córregos das do esgoto. O Canal 1 foi o primeiro a ser inaugurado em 1907, tendo apenas um pequeno trecho no bairro do Paquetá. Em 1910, ele foi completado e foi aberto também o 2. O 6 veio em 1919, o 3 e o 4 em 1923 e o 5 em 1927. Na verdade, o projeto de Saturnino de Brito incluiu a construção de um total de nove canais superficiais (os seis da orla, aquele próximo ao Orquidário, o da Rua Moura Ribeiro, no Marapé, e outro da Rua Francisco Manoel, no Jabaquara). Ainda tem os subterrâneos, entre eles um na Rua Braz Cubas, no Centro. A Prefeitura completou o sistema de drenagem com os canais 7 (1968), o do final da Avenida Afonso Pena e o da Jovino de Melo, na Zona Noroeste. O que quer dizer que só de Saturnino de Brito herdamos nove canais superficiais e do Poder Público Municipal ganhamos três. A olhos vistos são 12 em toda a cidade. Com margens dois metros acima do maior preamar da região, os canais tinham como função retificar rios e drenar áreas encharcadas, sujeitas a inundações, evitando a estagnação das águas e o risco de epidemias. Também eram navegados por barcos que levavam as famílias a passeio. Ao ser inaugurado, o sistema era composto de 66 km de coletores, 15 km de emissários, 602 poços de visita, 10 estações elevatórias, uma usina terminal e uma ponte suspensa, a Ponte Pênsil, projetada para a travessia do emissário da ilha de São Vicente à sua área continental. A execução do sistema custou aos cofres públicos quase 10 mil contos de réis. Com a instalação das redes de esgoto e águas pluviais, foram extintos os focos que provocaram diversos surtos epidêmicos em Santos, no fim do século 19 e começo do século 20. Santos tornou-se salubre. Moradores de São Paulo passaram a visitá-la para conhecer suas praias. O comércio deu um salto de desenvolvimento.

Segundo Regina Maria Prosperi Meyer “No século 19, o país passou a viver outras demandas e Saturnino de Brito é o nome mais relevante da história do urbanismo sanitarista do Brasil. Ao enfrentar os problemas urbanos da cidade de Santos, concebeu o primeiro projeto moderno no país de intervenção numa cidade. Entre 1886 e 1900, Santos, em função das suas atividades portuárias, viu triplicar a sua população. A desordem urbana atingiu uma escala preocupante. Inundações e doenças endêmicas ameaçavam o desenvolvimento econômico e social local. O projeto concebido por Saturnino de Brito, em 1894, é basicamente saneador: criação de duas redes separadas, uma para escoar as águas pluviais e outra para esgotos. A grande qualidade do pensamento de Saturnino de Brito residiu no fato de ele utilizar um princípio técnico para definir o principal elemento formal do traçado urbanístico, os canais de drenagens a céu aberto e que ligaram o estuário à baía”.”

 

Fonte:

http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0120.htm

acesso em junho de 2009

História da Engenharia no Brasil, vol, 2, Clube de engenharia, Rio de Janeiro:Clavero Editoração, 1984-1993, p. 326-330, 372, 373