Fármacos

Droga contra Diabetes Tipo 2

O desenvolvimento de uma droga voltada ao tratamento do diabetes do tipo 2, a mais comum entre a população mundial, é o objetivo de uma parceria firmada no último dia 2 de outubro pela Unicamp e a Aché Laboratórios Farmacêuticos. A empresa desembolsará R$ 2 milhões para financiar os testes de um composto produzido pelo Laboratório de Sinalização Celular da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Caso o medicamento chegue ao mercado, a Aché pagará entre 2,5% e 4% de royalties da receita líquida para a Universidade, que detém a patente da tecnologia. De acordo com as partes envolvidas no acordo, a assinatura de um contrato de licenciamento desse gênero ainda é pouco comum no Brasil, embora seja freqüente nos Estados Unidos e Europa. Segundo o médico Lício Velloso, chefe do Laboratório de Sinalização Celular, o composto é um oligonucleotídeo, ou seja, uma molécula de DNA alterada. Em testes preliminares efetuados em camundongos diabéticos, esta molécula demonstrou a capacidade de bloquear a produção de uma proteína chamada PGC-1, que atua na regulação do metabolismo. Graças a essa inibição, a produção de insulina pelo organismo apresenta significativa melhora, o mesmo ocorrendo com a ação do hormônio nos tecidos periféricos. Conforme o especialista, esse é o grande diferencial da droga em desenvolvimento em comparação com os fármacos convencionais. “Atualmente, o mercado oferece apenas duas classes de medicamentos: uma que aumenta a produção de insulina e outra que melhora a sua ação nos tecidos. O composto que estamos pesquisando atua nos dois sentidos”, explica.

Uma das possíveis conseqüências dessa terapêutica conjugada, de acordo com Velloso, é a redução do número de medicamentos necessários ao tratamento de diabetes, o que pode refletir na queda de custos aos pacientes. Os testes que serão realizados a partir de agora deverão durar entre três e cincos anos, e também serão feitos em animais. No estágio atual, a maior preocupação, como destaca o chefe do Laboratório de Sinalização Celular, é verificar o nível de toxicidade da droga e quais são as doses recomendadas. “Somente depois de termos essas respostas é que poderemos pensar numa nova etapa, que envolve ensaios em humanos”, observa. Caso tudo transcorra como o esperado, o medicamento levará cerca de dez anos para chegar às farmácias. Estima-se que 10% da população mundial – algo como 18 milhões de pessoas no Brasil – seja portadora de diabetes do tipo 2. O reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, destaca a importância da assinatura do contrato de licenciamento, lembrando que ele é resultado do modelo educacional adotado pela instituição desde os seus primórdios. A pesquisa desenvolvida na Universidade, afirma o reitor, é um dos elementos que fazem com que o seu ensino seja de boa qualidade. “Tão importante quanto alcançar a ponta do conhecimento é saber que esse mesmo conhecimento está sendo transmitido aos nossos estudantes, tanto da graduação quanto da pós-graduação”, acentua. 

Sobre a aproximação da Unicamp com o setor produtivo, Tadeu Jorge destacou que esse movimento não é novo. Ele chama a atenção para o fato de o fundador da Universidade, Zeferino Vaz, ter procurado os empresários da região de Campinas para colher opiniões sobre a grade curricular que seria adotada pela instituição. O objetivo era compor um conjunto de disciplinas que pudessem formar recursos humanos qualificados para atuar no mercado. “Atualmente, esse tipo de iniciativa é considerada comum. Há 40 anos, porém, ela foi muito ousada”. Conforme o reitor, as parcerias firmadas com as empresas privadas reforçam a interação da Unicamp com a sociedade de modo geral, visto que elas normalmente resultam em produtos, técnicas ou processos que geram bem-estar e riquezas ao país. “Nesse aspecto, vale destacar o trabalho que vem sendo realizado pela Agência de Inovação da Unicamp [Inova] no sentindo de facilitar esse tipo de cooperação. Depositar patentes é importante, mas não tão importante quanto licenciá-las. É por meio do licenciamento que temos a oportunidade de transformar o conhecimento em algo que traga benefício para a população”.

Para o vice-reitor e coordenador geral da Unicamp, Fernando Ferreira Costa, contratos como o firmado pela Universidade e a Aché são incomuns no Brasil. De acordo com ele, embora a produção científica nacional esteja crescendo, seria preciso triplicá-la para fazer com que esse tipo de parceria se tornasse rotineira. “Ações como esta são estratégicas para os cidadãos e para o país, uma vez que elas produzem independência científica e tecnológica”, analisa. O diretor executivo da Inova, Roberto Lotufo, afirma que o acordo feito com a Aché é reflexo do arrojo da Universidade na área de pesquisa e desenvolvimento. Em três anos de atividade, a Inova proporcionou a assinatura de 250 contratos de transferência de tecnologia e de serviços tecnológicos com a iniciativa privada. Em setembro último, a agência foi escolhida pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão do Ministério de Ciência e Tecnologia, como a instituição de ciência e tecnologia que melhor faz inovação tecnológica na região Sudeste do país.

O diretor financeiro da Aché Laboratórios Farmacêuticos, José Ricardo Mendes da Silva, informa que a empresa dedicou-se nos últimos anos a consolidar a sua posição no mercado. “Agora estamos construindo o lado da pesquisa. No ano passado, lançamos o primeiro medicamento fitoterápico desenvolvido no Brasil. Nós acreditamos que essa parceria com a Unicamp trará grande resultados, podendo inclusive mudar a vida de milhões de pessoas”, prevê. O diretor médico-científico da Aché, José Roberto Lazzarini, concorda que o Brasil não tem tradição em P&D, mas ressalva que isso se deve fundamentalmente à questão financeira. Fazer ciência de ponta, diz, requer muito dinheiro. “No segmento farmacêutico, entre o início da pesquisa e a colocação do produto no mercado são investidos, em média, US$ 800 milhões”, estima. Lazzarini acredita, porém, que é possível acreditar no Brasil nessa área, desde que haja uma maior aproximação entre a universidade, o setor produtivo e o governo. “Esse tripé é fundamental para que avancemos científica e tecnologicamente”. No entender do diretor da empresa, a Unicamp é possivelmente a instituição brasileira que mais está preparada para resolver os problemas tecnológicos do Brasil, em quaisquer que sejam as áreas do conhecimento. “Tenho certeza que voltaremos a fazer novas parcerias”, adianta.

Estudos desenvolvidos por pesquisadores da Unicamp em 2004 revelaram que um hormônio produzido no hipotálamo, chamado Hormônio Concentrador de Melanina (MCH), tem o papel duplo de controlar o gasto energético e a produção de insulina no organismo. O trabalho, que rendeu a recente publicação de um artigo na revista norte-americana Endocrinoloy, da Endocrine Society, abre caminho para ações terapêuticas destinadas a combater o diabetes mellitus, que atinge 9% dos brasileiros e normalmente está associado à obesidade. A conexão entre as duas doenças decorre do fato de que a insulina, ao mesmo tempo em que atua nos órgãos periféricos para controlar a quantidade de glicose no sangue, também atua no cérebro para controlar a fome. “Complexas conexões participam de um ciclo que controla a fome, o gasto de energia, e a produção e a ação da insulina em múltiplos órgãos”, explica o professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e chefe do Laboratório de Sinalização Celular, Licio Velloso, que coordena as pesquisas. “Constatamos que o MCH tem papel importante nestas conexões e, por isso, torna-se um alvo interessante para abordagem terapêutica comum para pacientes com diabetes e obesidade”, completa. Os estudos coordenados por Velloso contaram com colaborações de outros grupos da Unicamp, liderados pelos professores Mário J. A. Saad, também da FCM, e Antonio Carlos Boschero e Everardo M. Carneiro, do Instituto de Biologia. (IB). 

O estudo desenvolvido na Unicamp focalizou a expressão de 1.176 genes no hipotálamo de camundongos obesos alimentados com dieta rica em gordura. Desse total, 169 sofreram alterações em conseqüência da alimentação. Ao estudar isoladamente cada um deles, os pesquisadores constataram a dupla função do MCH em controlar o gasto energético e a produção de insulina no organismo. Segundo Velloso, drogas que controlem a produção de MCH encontram-se em avaliação na Unicamp e em centros de pesquisa de outros países. “Há uma verdadeira corrida mundial para se chegar a esses medicamentos que, no futuro, possivelmente serão utilizadas para tratamento destas doenças”, diz o médico. Na Unicamp, os ensaios consistem em controlar a produção de MCH no hipotálamo dos animais. As experiências mostram que indivíduos obesos têm mais MCH, o que faz com que gastem menos energia. Já no indivíduo magro, há menos MCH e maior queima de caloria. Animais que receberam doses extras de MCH também passaram desenvolver resistência à ação da insulina, tornando-se diabéticos. “Eles produzem mais insulina mas o seu funcionamento é inadequado”, explica. 

A insulina é um hormônio produzido exclusivamente por células especializadas do pâncreas, chamadas células beta. Sua produção ocorre após a ingestão de alimentos. Para que a glicose obtida através da alimentação saia do sangue e entre nas células de diversos tecidos onde participará da produção de energia, é necessário que a insulina esteja presente e funcione adequadamente. Além de promover a captação da glicose, a insulina age no hipotálamo, produzindo a sensação de saciedade. O hipotálamo é a região do cérebro que controla funções autonômicas como fome, sono, sede e termogênese (gasto de energia necessário para manutenção de funções vitais). Quando o indivíduo desenvolve a forma mais comum de diabetes (diabetes tipo 2), segundo Velloso, observa-se que apesar de ainda possuir insulina, esta já não age mais de forma tão eficaz como anteriormente. “Com isso, há uma falha na inibição da fome e a pessoa passa a comer mais e a ganhar peso”, explica. “A resistência à ação da insulina em outras regiões do corpo favorece o desenvolvimento de diabetes enquanto a resistência à insulina no cérebro favorece o desenvolvimento de obesidade”, completa. 

Outro fator que associa o diabetes à obesidade é a constatação de que dietas ricas em gordura interferem no receptor de insulina existente na célula. Para transformar glicose em energia a insulina precisa ligar-se a um receptor ancorado na membrana da célula. Em determinadas situações esse receptor não funciona corretamente, o que produz o quadro de diabetes. Segundo Velloso, uma das razões possíveis para isso é a dieta rica em gordura. “Nosso objetivo é chegar a uma droga que atue no hipotálamo para diminuir a produção do MCH, o que possibilitará aumentar o gasto energético e melhorar a ação da insulina nos órgãos periféricos”, diz Veloso. Segundo ele, apesar de os estudos em animais terem começado há cerca de quatro anos, ainda é cedo para falar em testes nos seres humanos. “A produção de um medicamento novo depende de etapas muito meticulosas de avaliação”, explica. A etapa clínica com pacientes humanos divide-se em quatro fases e é iniciada apenas após resultados satisfatórios em animais. 

Fonte: 
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/outubro2006/ju340pag4.html
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/junho2004/ju255pag4a.html
 
acesso em outubro de 2007