Paraplégicos e tetraplégicos, que já conseguem andar por meios artificiais, graças a um trabalho pioneiro em Engenharia da Reabilitação que vem sendo desenvolvido por um grupo de pesquisadores da UNICAMP, desde 1989, poderão também voltar a ter sensibilidade nos membros paralisados. O mecanismo que está sendo testado para essa conquista são sensores capazes de ativar uma comunicação entre partes sadias do corpo do deficiente, no caso de paraplégicos; voz, nos tetraplégicos e olhos, em pacientes com trauma crânio-encefálico e os membros paralisados. Eles permitem a transmissão de sinais elétricos aos nervos e, em consequência, a sensibilização e a contração muscular necessária para a execução de movimentos.
A paraplegia ocorre quando há uma secção nas vértebras toráxicas, lombares ou sacrais, causando uma imobilidade total dos movimentos dos braços, pernas e órgãos ligados por nervos ao nível de lesão. A tetraplegia, por sua vez, se verifica quando a secção se dá nas vértebras cervicais, causando uma imobilidade em todos os membros do corpo, do pescoço para baixo. Nesses casos, para que a pessoa volte a ter movimentos dos membros paralisados, é necessário que o sistema nervoso periférico tenha se mantido intacto. Se ele tiver sofrido algum tipo de lesão, não há como provocar a contração muscular. Mas Alberto Cliquet Júnior faz questão de ressaltar que a recuperação total ou a reabilitação de movimentos de deficientes físicos depende de cada caso específico.
Um dos principais resultados obtidos pelo Departamento de Engenharia Biomédica da Unicamp em seu trabalho de restauração de movimentos de deficientes físicos foi a total recuperação de um tetraplégico, além da recuperação parcial de vários outros pacientes. Isso foi conseguido graças à estimulação elétrica e neuromuscular controlada por computador, desenvolvidas no Brasil pela equipe de Cliquet. A estimulação elétrica é uma informação de baixa intensidade que atua no sistema nervoso intacto do indivíduo e dispara todos os processos neurofisiológicos do músculo. Mas apesar da alta tecnologia que vem sendo utilizada para reabilitação de movimento, tanto no Brasil como no exterior, os pacientes não têm sensibilidade no membro afetado. Por exemplo, não sentem quando os pés tocam o solo, exigindo, portanto, um grande esforço dos seus membros superiores e um alto gasto de energia durante a marcha.
O estudo Sistemas de Estimulação Eletrotáctil, que se interliga com o estudo de restauração de movimentos, permite que sensações geradas artificialmente acima do nível de lesão nos ombros, por exemplo, no caso dos paraplégicos sejam associadas aos passos. E testes realizados em pacientes da Unicamp mostraram que, após meses de estimulação artificial, muitos “aprenderam” o movimento sozinhos, sem a utilização dos aparelhos. “Esses movimentos são capazes de ser aprendidos pela medula, e esta é capaz de controlá-los, remodelando o sistema nervoso, de forma que, depois de um certo tempo de locomoção, os movimentos possam ser realizados sem a necessidade de um sistema artificial de estimulação”, diz o coordenador do projeto. Baseados nisso, os pesquisadores estão desenvolvendo os seus sistemas de restauração de movimentos e de sensibilidade. Primeiro, colocam-se sensores em algum músculo intacto e nas pontas dos pés. Quando o músculo é contraído (o do braço, no caso dos paraplégicos), essa informação é transmitida por sinais mioelétricos, graças aos sensores ali implantados, provocando estímulos artificiais de movimento nas pernas. Por exemplo: quando o paciente contrai o músculo do braço direito, ao apoiar a muleta no chão, ele movimenta a perna esquerda, e vice-versa, tornando a marcha semi voluntária. E os sensores colocados nas pontas dos pés, ligados ao músculo intacto, transmitem a sensação artificial de contato com o solo e monitoram a necessidade do estímulo muscular.
Um outro sistema foi desenvolvido para permitir a tetraplégicos segurarem objetos. Ele se baseia na estimulação elétrica com uso da voz, baseada em redes neurais artificiais programas de computador que permitem o reconhecimento da voz do paciente e não de outras vozes, mesmo quando a pessoa está gripada. Cada fonema (a/e/i/o/u) liga-se à estimulação de um grupo muscular. “Por exemplo, a pessoa fala ‘a’ e a mão abre, depois diz ‘e’ e a mão fecha. Ela utiliza o que tem de preservado, que é a voz, para estimular o movimento”, completa o pesquisador. Dentro do mesmo projeto, pesquisa-se também o desenvolvimento de um sistema de estimulação elétrica neuromuscular em que o deficiente controle a força do movimento. Como os tetraplégicos não possuem sensibilidade na ponta dos dedos – embora consigam pegar objetos com ajuda do estimulador elétrico eles não controlam a força.
Ao pegarem um copo, podem quebrá-lo, se a força de estimulação for muito grande, ou deixar o objeto cair, no caso contrário. “Para superar esse problema, desenvolvemos uma luva artificial instrumentalizada com sensores nas pontas dos dedos, que monitoram a força necessária para a pessoa realizar um movimento. Ela é realimentada por um estimulador que aumenta ou diminui a força de pressão automaticamente, quando necessário”, explica Cliquet. Essa mesma informação de força serve para acionar a noção de sensibilidade do paciente, por meio de um formigamento em alguma parte saudável de seu corpo. Isso porque há, na luva, alguns eletrodos para o movimento e outros específicos para a sensação.
Fonte:
http://www.fapesp.br/projeto271.htm
http://www.fapesp.br/outras23.htm
http://www.sel.eesc.sc.usp.br/labciber/cliquet.html
http://www.reabilitar.hpg.ig.com.br/trabalhos.htm
acesso em abril de 2002
Cronologia do Desenvolvimento Científico e Tecnológico Brasileriro, 1950-200, MDIC, Brasília, 2002, páginas 272