Um professor, um grupo de alunos e muita criatividade. Assim nasceu o DEPV Departamento de Estudos e Pesquisas de Veículos num galpão da FEI, no final dos anos 1960. Em poucos anos, o grupo desenvolveu projetos que extrapolaram os limites da faculdade e ganharam notoriedade em todo o Brasil, por apresentar soluções de transporte revolucionárias, a partir das idéias visionárias mas plenamente realizáveis dentro das condições da época e do País de Rigoberto Soler.
Tudo começou em meados de 1968, quando os alunos procuraram o professor Soler, que dava aulas de Carroceria, para resolver um problema e tanto: o que apresentar no Salão do Automóvel daquele ano, já que ele estava bem próximo e a FEI ainda não tinha nenhum projeto. O estilista espanhol que chegou ao Brasil em 1950, famoso pelo projeto Uirapuru da Brasinca que causou furor no Salão do Automóvel de 1962 e recrutado da Vemag para ser um dos primeiros professores da MecAut, não pensou duas vezes. Formou um grupo de alunos e aproveitando o material disponível na faculdade portas de armários, tubos de estrutura de carteiras, cola comum, pregos e o que mais estivesse à mão em 58 dias (faltavam 61 para o Salão) apresentou o FEI X-1, um carro anfíbio, que a de determinada velocidade levantava a parte dianteira, impulsionado pelo motor ligado à hélice traseira.
O carro foi um sucesso no Salão do Automóvel. Depois dele vieram o FEI X-2, um hovercraft feito com fundo de armário de madeira; o FEI X-3, também chamado Lavínia, em homenagem à esposa do prefeito Lauro Gomes, que cedeu o terreno onde foi construído o campus da FEI em São Bernardo do Campo; o TALAV — Trem Aerodinâmico Leve de Alta Velocidade –, cujo desenvolvimento empolgou até o Governo Federal, que financiou parte do projeto, o FEI X-9, um veículo de corrida, o ônibus Uiraquitan, o Igará e até uma passarela. Todos tinham a marca de gênio de Rigoberto Soler, que desenhava projetos completos em questão de minutos, segundo seus ex-alunos e ainda discípulos.
Em agosto de 1968, um clima de mistério tomou conta das redondezas do galpão da faculdade de Engenharia Mecânica, uma construção imensa, erguida graças à generosidade do empresário Salvador Arena, dono da Termomecânica, que viu no terreno da FEI um campo fértil para a formação de profissionais para a indústria automobilística. Tudo estava escondido atrás de tapumes, para que ninguém mais soubesse o que estava sendo construído lá dentro. Alunos entravam e saíam do galpão, despertando a curiosidade dos demais estudantes, mas nada era comentado. Sabia-se que naquele local ficava o DEPV Departamento de Estudos e Pesquisas de Veículos, cujo coordenador era Rigoberto Soler, professor de Carroceria do curso de Engenharia Operacional na modalidade Mecânica Automobilística.
O resultado de tanto sigilo foi o que se considerou na época o carro do futuro: o FEI X-1, um veículo anfíbio de quatro rodas e propulsão aerodinâmica para andar sobre rodas e sobre colchão de ar. Ele foi projetado e construído por Soler e os alunos que se dispuseram a passar os próximos 60 dias totalmente envolvidos com o veículo, a ser apresentado no Salão do Automóvel de São Paulo. O desafio era grande, pois o projeto disputaria a atenção do público e imprensa com os lançamentos das montadoras, que estavam se preparando há muito mais tempo para o evento. No entanto, os alunos da FEI não se intimidaram e lançaram-se ao trabalho, que ficou pronto antes do prazo estimado.
FEI X-1, primeiro protótipo saído do DEPV, era construído em madeira e pesava apenas 380 kg. Seu aspecto futurista vinha das linhas aerodinâmicas da carroceria, além da hélice e o leme colocados na traseira. Ele tinha rodas traseiras de Gordini e duas gêmeas de Kart na dianteira. A partir de determinada velocidade (60 km/h) a dianteira se levantava e o FEI X-1 passava a usar um colchão de ar, impulsionado pela hélice. Seu motor era de Gordini e a transmissão tinha apenas duas marchas: uma para frente e outra à ré.
Uma das grandes novidades do veículo estava na direção em vez de um volante, o piloto o dirigia com um manche, como num avião. O FEI X-1 foi projetado também para andar sobre a água, em uma velocidade de 20 km/h. Na terra podia atingir 150 km/h, quando apoiado nas rodas traseiras. Ele era um pouco mais comprido que um VW Sedan, tinha 1,10 m de altura, 1,42 m de largura, 0,15 m de vão livre do chão, e 1,35 m da altura do chão à parte mais alta do anel traseiro.
Embora fosse um protótipo, nenhum detalhe de acabamento foi esquecido. Com espaço para duas pessoas, tinha bancos reclináveis, com um painel que exibia seis mostradores redondos, colocados verticalmente no centro. Como sempre aconteceria a partir de então e numa prova da inesgotável criatividade daquela equipe, o protótipo foi construído com o material disponível na faculdade. Sua construção em menos de dois meses também era o prenúncio de outra “tradição” que tomaria conta do DEPV: as longas jornadas, nas quais os alunos, técnicos e engenheiros comandados pelo mestre Soler como se referiam e ainda se referem a ele até hoje viveriam para os projetos.
Foram horas e mais horas de cálculos, buscas de materiais, testes, soldagem, montagem e, como os engenheiros formados pela FEI não têm e nunca tiveram medo de “graxa”, ao terminar seus trabalhos do dia, eles limpavam o galpão e o deixavam pronto para o próximo turno, que começaria dali a pouco. Tanto trabalho valeu a pena: eles responderam ao desafio de desenvolver e apresentar o projeto em tempo recorde. A idéia era fazer o FEI X-1 chegar rodando ao Salão do Automóvel, e foi o que aconteceu, e na data prevista. O protótipo foi pilotado pelo professor Soler, que o levou de São Bernardo do Campo para o Pavilhão da Bienal, no Ibirapuera, na capital paulista, onde se realizava o Salão. Seria uma viagem inesquecível para todos. A visão de um veículo que era um misto de carro, barco e avião chamou e muito a atenção das pessoas.
Um fato curioso ocorreu na saída da FEI, quando o cabo de acelerador quebrou, forçando o protótipo a parar. Um morador da região, a cavalo, perguntou assustado se Soler não tinha se machucado com a queda do “avião”. Essa passagem entrou para a coleção de histórias da Automobilística. Alguns carros fizeram a escolta do FEI X-1, inclusive um carro da Polícia Rodoviária, até o Salão, aonde o protótipo chegou rodando sem problemas, a não ser pela atenção que chamava em todas as ruas por onde passou. Como se não bastasse tanto alvoroço, qual não foi a surpresa do grupo do DEPV ao ouvir do então prefeito de São Paulo, o brigadeiro Faria Lima, se ele poderia dirigir o veículo. O prefeito, que era piloto de avião, deu uma volta no FEI X-1 e ficou bastante satisfeito com seu desempenho, embora fosse apenas uma demonstração do protótipo. Ao se abrirem as portas do Salão do Automóvel de 1968, o protótipo da FEI fez bonito: considerado o veículo mais revolucionário daquela edição do evento, atraiu a atenção do grande público e da mídia especializada o tempo todo.
O desenho criado por Rigoberto Soler foi um prenúncio dos próximos projetos que sairiam do DEPV, como o FEI X-2, o FEI X-3 e o TALAV. Ele já trazia em si a marca genética dos veículos produzidos no departamento: a preocupação com a aerodinâmica, o cuidado com os ”sagrados cânones”, como Soler chamava as leis da Mecânica e as da Segurança, pois de nada adiantava um projeto visionário, futurista, se ele não respeitasse essas leis. Outra característica marcante que permeou todos os projetos que viriam a seguir era a adequação às condições brasileiras, fosse em relação às vias ou no material construtivo que seria utilizado nos veículos. Pensando nisso, o grupo do DEPV cujos integrantes foram entrando e saindo com o passar do tempo, mas sempre mantendo o mesmo espírito inovador e desprendido do início partiu para novos projetos, como o FEI X-2, um hovercraft desenvolvido para os rios, pântanos e alagadiços que o Brasil tem e não aproveita como alternativas de transporte, e o FEI X-3, um GT (Gran Turismo) que chamou atenção até do presidente da República no Salão do Automóvel de 1970 e abriu o caminho para um projeto maior, o TALAV. Todos esses projetos tinham um “ancestral” comum: o FEI X-1.
Fonte:
Mecânica Automobilística – Unifei 40 anos, http://www.fei.edu.br/noticias/aut.htm
acesso em fevereiro de 2005
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