Eletrônica

Filme Ferroelétrico

Pesquisas recém-finalizadas mostram um novo método de obtenção de filme ferroelétrico, um componente que ganha espaço na produção de memórias de computadores e de capacitores – armazenadores de energia – de aparelhos eletrônicos. A novidade parte de dois grupos de pesquisadores. Um liderado pelo professor José Arana Varela, do Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (LIEC) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, e o outro sob a coordenação do professor Elson Longo, do laboratório também chamado de LIEC, da Universidade Federal de São Carlos. Eles estão finalizando o projeto temático Desenvolvimento de Cerâmicas e Filmes Ferroelétricos através do Controle da Microestrutura. 


Com resultados melhores que os esperados inicialmente, os trabalhos resultaram em um filme produzido, de forma inédita, com solução orgânica de ácido cítrico, presente em frutas como laranja e limão, sobre substratos (material de suporte) monocristalinos, compostos de silício ou safira, por exemplo. Esses filmes também poderão ser aplicados em guias de ondas, artefatos ainda estudados em laboratório, que conduzem energia elétrica sob a forma de ondas luminosas, de forma semelhante e mais eficiente que as fibras ópticas utilizadas em telefonia. Entende-se por filme, aqui, qualquer película muito fina que separa duas fases de um sistema, ou forma a própria interface dessa separação. Eles originam-se entre dois líquidos, como acontece entre a água e o óleo, entre um líquido e um vapor ou na superfície dos sólidos. As pesquisas na área de filmes finos sólidos – com espessura menor que um micrometro (milionésima parte do metro) – crescem de forma significativa devido às vantagens desse material, principalmente, na miniaturização de equipamentos eletrônicos. 

A confecção de filmes ferroelétricos mais eficientes e baratos ganha importância porque eles garantem maior capacidade de memória e são candidatos, a substituir as atuais memórias dos computadores, formadas por materiais ferromagnéticos. “No futuro, as memórias ferroelétricas serão as mais utilizadas”, afirma o professor Varela. A ferroeletricidade é um fenômeno apresentado por alguns cristais, como o titanato de bário. Esses materiais possuem dois centros de cargas elétricas com sinais opostos – chamados dipolos – separados por uma pequena distância. Esses dipolos podem ser direcionados por meio de um campo elétrico aplicado ao material (processo chamado de polarização), permitindo o arquivo de sinais eletrônicos. 

As memórias ferroelétricas de acesso aleatório, as FeRAMs, têm características não voláteis, ou seja, uma vez removida a energia, a informação continua armazenada. O problema é que elas perdem a polarização com o tempo de uso (número de ciclos). Essa dificuldade, denominada fadiga ferroelétrica, é causada por vários fatores, incluindo a composição do filme e a reação deste com os eletrodos, material que cobre e faz as interconexões de um sistema. 

Nesse sentido, os resultados obtidos no LIEC no processamento de filmes finos ferroelétricos de titanato de bário e de tantalato de bismuto e estrôncio são bastante animadores. Esses filmes, produzidos com soluções de ácido cítrico, depositados em substratos de silício recobertos com eletrodos de platina, apresentam fadiga ferroelétrica desprezível após 10 bilhões de ciclos, valor de referência mínima para testes de vida útil de memórias de computadores. O salto qualitativo nas pesquisas realizadas pelas equipes dos professores Varela e Longo foi dado com a produção de filmes muito finos (de 0,4 a 1 micrometro) com a otimização de processos convencionais utilizando um ácido tão simples e barato como o ácido cítrico. Além de simplificar o processo, o ácido cítrico é facilmente dissolvido em água, solubilizando sais inorgânicos de baixo custo contendo características químicas necessárias para o processamento do material desejado. O processo, denominado de precursores poliméricos, substitui com vantagens o processo convencional, chamado de sol-gel, que requer sais caros e importados, além de necessitar de uma manipulação em laboratório mais complexa. 

O primeiro passo do trabalho dos pesquisadores foi atingir a produção das cerâmicas com as características ferroelétricas. Elas têm a mesma composição dos filmes, porém possuem tamanhos bem maiores, tornando-se mais aptas aos experimentos que essas películas microscópicas. A rota do processo de obtenção dos filmes inicia-se com a produção de resinas contendo um metal, como titânio ou bário, que forma uma reação química com ácido cítrico e álcool, resultando em uma solução polimérica. Essa solução pode ser utilizada tanto para produzir pó cerâmico como para obter filmes finos. Para atingir esse segundo objetivo, mergulha-se o substrato nessa solução, obtendo-se filmes precursores que, em seguida, passam por tratamento térmico – queima –, resultando num filme cristalino e denso com características ferroelétricas. A morfologia da superfície desses filmes deve ter características como homogeneidade e baixa rugosidade. 

Um dos desafios na construção de capacitores para memórias de acesso dinâmico (DRAM na abreviatura em inglês), para utilização em microeletrônica, é obter filmes extremamente finos – menores que 0,04 micrometro e com baixíssima corrente de fuga. As DRAMs armazenam informações em circuitos integrados que contêm capacitores. Segundo o professor Varela, nas pesquisas realizadas em Araraquara e São Carlos, em filmes constituídos com os metais bário, bismuto e tantálio, foi possível obter características elétricas que demonstraram a utilidade e o grande potencial desses componentes para uso como memória DRAM, e em memórias RAM, de computadores. 

Novos materiais que permitem ampliar a capacidade atual de memória dos computadores em até 250 vezes foram obtidos em pesquisa realizada no Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec), formado por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Instituto de Química da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), em Araraquara (SP). Utilizando um método químico simples, os pesquisadores obtiveram um material de altíssima constante dielétrica, feito de titanato de bário e chumbo. A constante obtida tem o valor de 1.800, quase três vezes maior do que outros materiais já conhecidos, as quais giram em torno de 700. 

“A alta densidade dielétrica é necessária para manter a densidade de armazenamento de carga dentro dos padrões exigidos para futuras gerações de memória de acesso aleatório dinâmico (DRAM), para ter uma menor velocidade de consumo de energia elétrica. O novo material tem ferroeletricidade e apresenta polarização espontânea que pode ser revertida pela aplicação de um campo elétrico externo”, explica o professor Elson Longo, diretor do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), um dos centros de excelência (Cepids) criados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), do qual o Liec é associado. O método de preparo desse novo material é relativamente simples e de baixo custo. “Preparamos um composto de citratos de chumbo, titânio e bário, que é levado a um forno simples com temperatura de até 300º Celsius para retirar o material orgânico. Em seguida, utilizamos um microondas doméstico para orientar a cristalização e obter um filme fino de titanato de bário e chumbo”, explica Longo.

São equipamentos de baixo custo usados no processo. Um microondas doméstico custa cerca de R$ 300,00. O novo material representa um avanço sobre os atuais filmes finos de óxido de silício e de nitreto de silício, usados como material dielétrico em capacitores para células de memória de acesso aleatório dinâmico, ou como capacitor em dispositivos de circuito integrado, que apresentam baixa constante dielétrica (=7). A constante dielétrica obtida no material pesquisado no Liec (= 1.800), é 250 vezes maior. Essa inovação contribui para superar um descompasso existente para o desenvolvimento dos dispositivos microeletrônicos. Como, a cada ano, o tamanho da célula de memória é reduzido mas sua densidade aumenta, torna-se difícil manter a alta densidade de carga elétrica em capacitores utilizando dielétricos convencionais – como óxido de silício e nitreto de silício -, tornando incompatível sua aplicação junto às novas tecnologias de memória de acesso aleatório dinâmico. A substituição dos atuais dielétricos é pesquisada desde o final dos anos 1.980, e surgiram materiais que apresentam alta constante dielétrica bem acima de 100.

Trata-se de uma verdadeira corrida tecnológica. O professor Longo lembra que várias organizações japonesas e norte-americanas, ligadas a indústrias de semicondutores, depositaram nos últimos cinco anos mais de 420 patentes relacionadas com memória de acesso aleatório dinâmico. O trabalho será publicado na revista Apllied Physics Letter, o mais renomado periódico de Física do mundo. 

Fonte: 
http://www.fapesp.br/tecnolog524.htm 
acesso em maio de 2002
http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=010160040122 
acesso em março de 2005