Construção Civil

Lajes Cogumelo

Em 25/06/1889 nasceu na cidade de Blumenau/SC, o futuro engenheiro Emílio Henrique Baumgart. Graduou-se engenheiro civil na antiga Escola Politécnica do Rio de Janeiro, Largo São Francisco/RJ, atual Escola de Engenharia da UFRJ.Estagiou e trabalhou na Firma L. Rielinger onde teve ocasião de projetar entre outras obras notáveis, a estrutura da Ponte Maurício Nassau, a primeira a ser construída no Recife/PE. Emílio Baumgart tornou-se um nome expressivo da primeira fase da arquitetura modernista brasileira, ficando conhecido como o “Pai do concreto armado”. Notável pelas muitas obras que projetos (algumas das quais recordes mundiais), pelas inúmeras novidades, algumas revolucionárias, que introduziu no projeto, cálculo e execução do concreto armado, e principalmente pelo seu escritório de cálculo, primeiro do gênero no Brasil e de onde saíram muitos profissionais destacados. Como disse o Eng. A.C. de Vasconcelos, “Baumgart não somente foi o primeiro brasileiro a participar da transferência de tecnologia do concreto armado da Alemanha para o Brasil, mas também, por sua genialidade. desenvolveu e suplantou o que na época se fazia no estrangeiro”, por isso, continua o Eng. Vasconcelos, “a análise aprofundada da sua obra torna-se necessária para quem se interesse em conhecer o que de melhor já se fez em nosso país”.

A sua carreira profissional começou em 1912, quando, ainda aluno da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, foi admitido como estagiário na firma de concreto armado de Riedlinger. Auxiliado pela sua ascendência alemã e perfeito domínio dessa língua, cedo passou também a dominar tudo o que sobre concreto armado podiam lhe ensinar. São dessa época (1913) seus primeiros projetos, a famosa ponte “Maurício de Nassau” no Recife, e a ponte do Areal, no Estado do Rio de Janeiro. Obrigado a interromper o curso de engenharia por dificuldades financeiras. só o concluiu em 1918, e em 1923 abriu a sua própria firma de construções, que embora de curta duração fez algumas obras importantes, como o primeiro “arranha-céu” no Rio de Janeiro – o edifício do Cinema Capitólio, na Cinelândia (já demolido) – e a Igreja de Santo Inácio, também no Rio de Janeiro, com uma grande e bela estrutura de arcos, abóbadas e cúpula em concreto armado611. Em 1926 fundou afinal o seu depois famoso escritório de projeto e cálculo de concreto armado, que apesar de sua modesta instalação, de início cm sua própria residência -, logo tornou-se conhecido e procurado pelas mais importantes firmas construtoras, tal a confiança que o seu nome inspirava. Começou então uma lista de projetos das mais variadas estruturas de concreto armado. Em uma relação elaborada pelo Eng. Carlos Danilo Castello Branco (da “SEEBLA” – Serviços de Engenharia Emílio Baumgart Uda., sucessora atual do rodovia “União e Indústria”, foi também construída pela firma de Ricdlinger, e no seu projeto Baumgart já introduziu uma inovação, o cimbramento em um arco de madeira, sem apoios intermediários, que seriam perigosos devido às volumosas enchentes do rio.

No projeto do Liceu de Artes e Ofícios, Baumgart assustou e assombrou os meios técnicos contemporâneos empregando, pela primeira vez e contra as prescrições dos 1 ivros e das normas então vigentes, ferros de armação de pequeno diâmetro e sem ganchos, e lages de pisos de apenas 6 cm de espessura. Como disse o Eng. Jermann, “aconfiança absoluta em sua capacidade de projetista…, e o profundo conhecimento do material, que compreendera melhor do que qualquer outro, e com o qual seriam feitas mais tarde as suas criações geniais, fizeram-no ir sozinho retirar a escora mestra que suportava o tabuado das formas (da laje), iniciando assim uma nova era na história do concreto armado”. 

0 viaduto “Tocantins”, em Belo Horizonte, com um arco de 56 m de vão, era na ocasião o maior vão livre desse tipo na América do Sul; a notícia da época dizia que “retirado o escoramento, a flecha medida foi mínima”. A estrutura do Cinema Roxy foi outra obra interessante do Eng. Baumgart, com a grande cúpula calculada como uma casca elasticamenie engastada em uni anel de contorno; a construção dessa cúpula foi feita com extremo cuidado, para que o erro geométrico fosse inferior a 2 cm. A casca tem 7 cm de espessura em quase toda extensão, e além do grande diâmetro ainda suporta tubulações de ar condicionado e pesada ornamentação.

A ponte sobre o Rio Pelotas, em Passo do Socorro, com 187 m de comprimento em sete vãos, e estrutura de vigas retas, teve duas particularidades interessantes: o fato de em tão grande comprimento não ter nenhuma junta de dilatação, – contrariando também todos os regulamentos e preceitos -, e as fundações em tubulõcs de concreto, construídos de tal forma a se assentarem precisamente sobre o leito rochoso do rio; assim, os tubulões eram as próprias ensecadeiras, sendo fácil a sua vedação para o esvaziamento da água e a concretagem. Para compensar a ausência de juntas de expansão, a estrutura foi projetada suficientemente flexível para acomodar os esforços e deformações devido às variações de temperatura e à retração do concreto. Como observa o Eng. Vasconcelos, “Baumgart desobedecia as normas mas com conhecimento do que fazia”, e por isso as suas infrações às normas foram mais tarde incorporadas a essas próprias normas. Os armazéns de açúcar do porto do Recife, também eram estruturas de grande comprimento sem juntas de dilatação.

No projeto da estrutura para o edifício do Ministério da Educação, de arrojada concepção arquitetônica de Lúcio Costa, Baumgart lançou mão de outras inovações para resolver os problemas estruturais dos ‘.’pilotis”, do contraventamento do prédio, e da pequena espessura exigida para as lajes. Uma das inovações, lambem em desacordo com as normas, foram as originais “lajes cogumelo”, com engrossamento na face superior, em lugar dos capiteis convencionais nas colunas, resolvendo assim a questão da pequena espessura. 0 problema do contraventamento do prédio, contra os esforços horizontais, foi solucionado fazendo as lajes trabalharem como vigas horizontais e aproveitando as estruturas das escadas e poços dos elevadores. 

O cogumelo, não comestível chamado de amanita, possui uma base denominada volva, uma haste, denominada pé, e a parte superior denominada chapéu. A estrutura de sustentação do chapéu é formada por uma série de nervuras radiais, denominadas lamelas, que apesar de esbeltas são capazes de garantir a rigidez e a resistência do chapéu. As nervuras, por estarem em balanço, necessitam ter sua altura variável da extremidade para o apoio. Diversos tipos de estruturas são baseados nessa forma. O uso de lajes-cogumelo (estruturas em que a laje apoia-se diretamente sobre os pilares, sem o uso de vigas) é muito comum. A inexistência de vigas facilita a execução da laje, principalmente para coberturas em formas muito irregulares. Tendo em vista a distribuição dos esforços, a espessura da laje deve ser maior junto aos pilares e mais fina nas extremidades. Para grandes vãos, a laje pode ser nervurada, o que a aproxima ainda mais da forma do cogumelo.

No Brasil, os primeiros edifícios em concreto armado seguiam o arranjo tradicional, com lajes, vigas e pilares, como por exemplo o edifício projetado por Emílio Baumgart em 1931 (Mercê & Oliveira, 2001). A mudança desta concepção estrutural se deu com o pioneirismo de C. A. P. Turner, que em 1906 construiu o Bovey Building em Mineápolis utilizando um sistema patenteado de lajes apoiadas diretamente sob pilares denominado laje cogumelo. Entre 1906 e 1910, C. A. P. Turner construiu mais de trinta edificações utilizando lajes cogumelo. (Gasparini, 2002).

A ponte ferroviária sobre o Rio Paranaíba é obra que merece uma citação em destaque. A maior dificuldade era a grande correnteza c profundidade do rio junto à margem mineira, que impossibilitava a construção de escoramento convencionais sobre o fundo do rio; decidiu então Baumgart vencer esse trechocom um arco único, para o qual imaginou um sistema especial de escoramento. Afinal, por motivos estéticos, a ponte ficou com dois arcos iguais, com 52,2 m de vão, sendo que o arco do lado de Goiás foi construído com escoramento convencional. Para o outro arco, foi utilizado um escoramento em seções sucessivas de treliças de concreto armado, executadas em balanços progressivos, e que eram amarradas aos pilares por tirantes provisórios. No final, completado o escoramento, passava a funcionar como um arco bi-articulado, sustentando o arco definitivo de concreto armado. Com a experiência dessa ponte, Baumgart pretendia desenvolver um novo sistema de construção de arcos, em que o escoramento ficasse depois incorporado à estrutura definitiva, mas a sua morte em 1943 interrompeu estes estudo 

Os projetos de Baumgart que foram na sua época “records” mundiais de estruturas de concreto armado, isto é, o edifício de “A Noite”, o galpão das “Oficinas Gerais” do Campo dos Afonsos, a ponte “Emílio Baumgart” e a ponte sobre o Rio Mucuri, serão referidos mais adiante neste Capítulo, juntamente com outros “records” mundiais brasileiros de concreto armado. Sob a direção do engo. Jermann vários projetos de grande impacto foram realizados como a Catedral do Rio de Janeiro, com processo construtivo de concepção arrojada, Edifício Sede da Petrobrás, Edifício de Serviços do BNDES, Edifício da Caixa Econômica Federal, Edifício do BNH, todos localizados no Largo da Carioca, no Rio de Janeiro. A firma na época de Emílio Baumgart já era muito solicitada por grandes Construtoras do Estado de Minas Gerais, particularmente para projetos de Obras de Arte para sua malha de rodovias, especialidade em que ocupava posição inigualável, face principalmente às soluções inéditas que concebia, aliando monumentalidade à economicidade.

Tão importante como os seus projetos e obras, foi a atuação do escritório do Eng. Baumgart como uma escola de formação e treinamento técnico. 0 Eng. ArthurJermann, unidos muitos que por lá passou e que depois do falecimento do mestre continuou a sua obra, disse certa vez que o escritório de Baumgart “era a melhor escola de engenharia do país. ponto de estágio obrigatório dos melhores técnicos da especialidade”. Para o Eng. Vasconcelos, o pesquisador e historiador do nosso concreto armado, a “Escola” de Emílio Baumgart “foi mais produtiva para a formação de técnicos especializados em concreto armado do que a própria Escola de Engenharia do Rio de Janeiro e mesmo a de São Paulo””.

Com o tempo, a fama do escritório de projetos de Baumgan como uma escola de concreto armado, espalhou-se a tal ponto que até do estrangeiro vinham engenheiros para estagiar; por lã passaram, por exemplo, vários engenheiros suecos e dinamarqueses, alguns dos quais depois ficaram aqui no Brasil. 0 fato é que Baumgart além das qualidades de notável profissional, tinha também uma constante preocupação de ensinar aos outros tudo o que sabia c conseguia aprender. Essa preocupação não era só com os engenheiros e estudantes que trabalhavam no seu escritório, mas com todo pessoal envolvido nas suas obras: “pacientemente instruía seus operários, armadores, mestres gerais, mestres de concreto, carpinteiros etc, que antes de partirem para o local da obra eram obrigados a prestar um exame após estudo dos desenhos de execução; estes, eram minuciosa e caprichosamente desenhados por um grupo seleto de engenheiros, guiados e instruídos por seu chefe, que além do mais dava-lhes o maior conforto, dedicava-lhes a maior atenção e carinho, e estimulava-os em seus estudos. indicando e ofertando livros e revistas”.

Com a sua formação germânica, Baumgart “fazia mesmo os engenheiros desenhar cansativamente, durante muitos dias, apenas letreiros e títulos dos desenhos, exigindo nos seus projetos uniformidade de letra e perfeição de apresentação”. Apesar de alguns julgarem deprimente esse tipo de treinamento, criou na sua equipe um espírito de ordem e de capricho que foi extremamente benéfico. Por isso, nas palavras do Eng. Sérgio Marques de Souza, outro dos ilustres discípulos de Baumgart, foi ele o “verdadeiro criador da escola brasileira de concreto armado”, e continua: “A técnica por ele desenvolvida no projeto e detalhamento das estruturas de concreto armado, com características peculiares às condições brasileiras, modificando e alterando conceitos e critérios dominantes nos anos da década de 20…. constituiu verdadeira ane que só a sua extraordinária sensibilidade estrutural c sua capacidade inventiva poderiam conceber”. 

Pelo escritório Baumgart passaram como estudantes, e depois como engenheiros. muitos dos que mais tarde se tornaram grandes nomes no concreto armado. podendo-se citar, além dos Eng Jermann e Marques de Souza, os nomes de Antônio Alves de Noronha, Fernando Lobo Carneiro e Paulo R. Fragoso. Foram muitas as novidades de autoria de Baumgart introduzidas no projeto e detalhamento do concreto armado; como já foi dito, várias dessas novidades contrariavam normas da época, e passaram depois a constar nas normas brasileiras, que tornaram-se assim as mais avançadas do mundo. Além do emprego de ferros de menor diâmetro e sem ganchos para as armaduras, e de lajes de menor espessura, devem-se também a Baumgart, entre outros, o uso de armadura negativa independente nas lajes, a adoção, sempre que possível, de soluções hiperestáticas – de modo a aproveitar ao máximo as vantagens da monoliticidade do concreto -, e principalmente o emprego de maiores taxas de trabalho, tanto para o concreto como para a armadura metálica: A tensão admissível para o aço, que era de 800 kg/cm2, Baumgart passou para 1.200, enquanto que a taxa de compressão máxima do concreto, que era de 40 kg/cm2, passou para 60. e depois para 75 kg/cm2. sendo para isso necessário um perfeito controle da dosagem do concreto. 

Baumgart foi também o introdutor das vigas e colunas com seção em “L” e em “T”, dimensionadas de forma a se ocultarem na espessura das lajes e paredes. que assim não apresentavam saliências anti-estéticas. Tinhaele aliás, como acentua o Hng. Arthur Jerman. uma grande preocupação pelo aspecto estético das estruturas que projetava. O engenheiro Baumgart nunca publicou nada de sua autoria, nem um artigo de revista, nem uma linha sequer, que teriam contribuído para maior divulgação de sua pessoa e de sua obra. Contudo, o seu nome passou a ser conhecido e respeitado no exterior, e sua obra objeto de admiração e de estudo dos especialistas. 

Um desses, que veio ao Brasil especialmente para observar e estudar o que aqui se fazia com o concreto armado, sob a liderança do Eng. Baumgart, foi o engenheiro americano Arf hur I Bonse. já aqui citado várias vezes, e que era chefe do escritório de projetos da Portland Cernem Association, dos Estados Unidos. O Eng. Boase chegou em princípios de 1944, ficando consternado e desiludido com a notícia do recente falecimento de Baumgart, fato que ignorava. Visitando demoradamente o escritório de Baungart e suas obras, e entrevistando os que lá trabalhavam, o Eng. Boase escreveu depois quatro longos artigos na revista “Engineering News Record”, relatando detalhadamente tudo o que viu. Conta o seu espanto em ver estribos de colunas de ferros “no larger ihan baling wires”, ver lajes de pequena espessura, e conta principalmente a convicção em que ficou de que em matéria de concreto armado o Brasil estava mais avançado do que qualquer outro país do mundo, c que os Estados Unidos estavam atrasadíssimos. Creditava boa parte do nosso avanço à atuação pessoal do Eng. Baumgart, cujos discípulos, como ele disse, you will met almost any place you go in Brazil”m. Concluiu também que outro importante fator do nosso progresso eram as normas brasileiras de concreto armado, “não copiadas de normas estrangeiras, mas contendo prescrições inteiramente originais”, derivadas também dos trabalhos de Baumgart e dos seus seguidores, e das “infrações” que voluntariamente vinham fazendo com relação às normas antigas’.

Fonte: 
http://www.seebla.com.br/historia.asp 
http://www.ufrrj.br/institutos/it/dau/profs/liliana/APOSTILA_IT_829.pdf 
http://cascavel.cpd.ufsm.br/tede/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=487
acesso em agosto de 2009 
História da Engenharia no Brasil séc XX., Pedro Carlos da Silva Telles, Ed. Clube de Engenharia, 1993, p. 498 
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