Medicina

Operação Batista

O médico Randas Batista, de Curitiba, passou para a história da cardiologia, por ter realizado uma inovação na cirurgia cardiovascular, a ventriculoplastia redutora, ousando intervir diretamente no músculo do coração retirando um “naco” (como ele mesmo diz) do ventrículo, num coração hipertrofiado. Esses pacientes, com coração hipertrofiado, estão na classe funcional IV da classificação de New York Heart Association (NYHA-IV) e portanto, não conseguem andar e nem fazer qualquer esforço, por menor que seja. O coração está tão dilatado que não há mais medicação que tenha efeito. São pacientes que têm que esperar pelo transplante e acabam falecendo na lista de espera, tanto no Brasil como em todos os países do mundo. O Dr. Batista removeu uma porção do ventrículo que fica entre os dois músculos papilares, mas preservou a sustentação de toda a constituição da válvula mitral, por uma reparação (anuloplastia) ou substituição de tecido protético. Até o mês de setembro de 1997, já tinham sido operados 120 casos cuja mortalidade foi de 22%, nos primeiros 30 dias e a sobrevida depois de 2 anos, foi de 55%. Desses 66 pacientes que sobreviveram 57% passaram a ter um estado funcional compatível com a vida normal (NYHA-I) e 33% ao NYHA-II, mas 10% continuou nos estágios III e IV, apesar da cirurgia.

 

O que torna a técnica tão revolucionária e controversa, é o paradoxo de extrair-se parte do músculo de forma a tornar o coração mais forte. Pela lei de Laplace a lei de Laplace: T = P. pi. D (onde T = tensão ou força muscular do ventrículo; P = pressão intracavitária; pi = 3,1416; D = diâmetro ventricular). O princípio determina que o aumento da tensão sobre as paredes de uma estrutura, no caso o coração, seja diretamente proporcional ao aumento do diâmetro ventricular. Isso significa que quanto maior o diâmetro, maior a tensão sobre as paredes ventriculares, com consequente aumento do consumo de oxigênio, contribuindo para a piora da função contrátil do ventrículo esquerdo. Randas Batista comenta como chegou à técnica: “Descobri que quanto maior o diâmetro, quanto mais o coração vai crescendo de tamanho, fica mais difícil ele bater. Imagine uma bexiga. Quando está vazia é difícil assoprar, mas quando está grande qualquer criança assopra e estoura. É isso que ocorre com o coração. Quanto maior for, mais fraco ele vai ficando. Quando vi aquela cobra matando o búfalo, tirei os dois corações e observei que a relação massa/diâmetro era a mesma. Fui atrás de tudo quanto é coração, coloquei um ao lado do outro, e vi que existe uma relação constante.” A cirurgia consiste, portanto, em diminuir o tamanho desse coração para chegar à relação correta entre massa e diâmetro.

A técnica foi desenvolvida hospital no hospital Angelina Caron, em Campina Grande do Sul, a cerca de 40 quilômetros de Curitiba, distante dos grandes centros médicos brasileiros: “Um hospital é feito de neurônios e não de tijolos. Um professor faz um grande aluno debaixo de uma árvore, com um giz e uma pedra para escrever. Não precisa ter uma baita escola. Um bom professor faz um bom aluno”. Com o sucesso da técnica, Randas tem recebido propostas para trabalhar em outros hospitais, porém ele as tem rejeitado: “O que me faz trabalhar neste local é eu sentir que se sair faz diferença. Não é qualquer cirurgião que vai querer vir trabalhar aqui, porque estou trabalhando para pobre. E quem é que gosta de trabalhar para pobre? Não tem muito médico que goste. Mas eu gosto. Eu me sinto realizado.” Randas recebe cerca de 80 dólares para execução de cada procedimento cardíaco, enquanto num hospital dos EUA a cirurgia é cobrada em cerca de 50 mil dólares, para a mesma operação.

O médico Randas Batista descreve como se processa o mecanismo de inovação: “A maioria das coisas que eu faço é mais um sexto sentido, é algo que vem de dentro, da parte escura do cérebro. É preciso aprender a interpretá-la. Tem que aprender a se comunicar com essa parte, a usá-la. O cérebro não vai idealizar algo se você não perguntou para ele. No meu cérebro eu nunca faço statement (declaração), eu faço perguntas. Um dia esse problema vem à tona com resposta.” Mineiro de Passos, paranaense por adoção, Randas é formado pela Universidade Federal do Paraná em 1972, ele fez especializações em Boston (EUA) e Toronto (Canadá).

A cirurgia redutora do volume ventricular começou a ser realizada por Randas Batista a partir de 1984, embora só recentemente tenha ganho maior notoriedade e aceitação. Passou a ser conhecida por várias denominações, entre elas “ventriculectomia parcial”, segundo o próprio autor, “ventriculectomia parcial esquerda” e, em língua inglesa, “partial left ventriculectomy”, ou, simplesmente, “ventriculectomy”, embora a denominação que nos parece mais justa seja “operação de Batista”. Apesar de ainda existirem controvérsias quanto às indicações e aos resultados obtidos, uma vez que poucos grupos tiveram envolvimento real com a operação, baseia-se em uma interessante e lógica base fisiopatológica. Em linhas gerais, a operação proposta realiza a ressecção de um fragmento da parede do ventrículo esquerdo, geralmente na região lateral e entre os músculos papilares. A retirada dessa “fatia” de músculo inicia-se próximo ao sulco atrioventricular e estende-se até a ponta do ventrículo esquerdo. As bordas da abertura são então suturadas e o resultado final é a redução do diâmetro do ventrículo esquerdo. Embora alguns pontos permaneçam ainda incertos e, na prática, os resultados necessitem de maior comprovação, a redução do diâmetro caracteriza-se como ponto importante para o bom resultado dessa operação.

Como cirurgicamente não é possível o aumento de massa muscular na quantidade necessária para compensar a dilatação, a ideia da redução do diâmetro é muito atraente. Essa redução no volume ventricular, sem alteração da espessura da parede ventricular e sem alteração da pressão intracavitária, reduziria a tensão sobre a parede ventricular, com melhora do desempenho contrátil. Isso significa que o que se busca com o tratamento cirúrgico é uma adequação entre a espessura da parede e o diâmetro ventricular, ou seja, a possibilidade de restaurar, nesses corações, a relação apropriada entre diâmetro, espessura da parede e massa ventricular. Recentemente, foi colocada uma questão que enfoca bem essa questão: “Como mudanças no tamanho e na arquitetura do ventrículo relacionar-se-iam ao desempenho hemodinâmico e funcional?”. Certamente a resposta será obtida com a análise evolutiva dos pacientes. Em resumo, embora ainda carecendo de maior observação com relação à evolução dos doentes, fica claro que o conceito fisiopatológico dessa operação é bastante lógico, buscando o restabelecimento das condições anatomofisiológicas alteradas pelo remodelamento na insuficiência cardíaca.

Em dezembro de 2000 um artigo no Journal of the American College of Cardiology (JACC), de Dr. Randall Starling e colegas do Cleveland Clinic descrevem resultados desanimadores do procedimento Batista. O estudo foi resultado do acompanhamento de 59 pacientes com severa deficiência cardíaca e dilatação do ventrículo esquerdo. Eles constataram que após a cirurgia Batista, enquanto 25% dos pacientes obtiveram melhoras, 33% dos pacientes rapidamente tiveram sua condição deteriorada, enquanto o restante obteve melhoras transientes no desempenho cardíaco com posterior deterioração. O hospital de Cleveland, baseado nestes resultados, decidiu interromper o uso de cirurgias Batista. Starling, contudo, ressalta a contribuição de Randas Batista em redirecionar a atenção dos médicos aos procedimentos de remodelagem ventricular, observando que outras técnicas de remodelagem surgidas desde então, poderão realizar esta tarefa de modo mais efetivo. Segundo as diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia para Transplante Cardíaco, a ventriculectomia parcial esquerda promove melhora dos sintomas de insuficiência cardíaca na maioria dos sobreviventes. Por outro lado, a sobrevida imediata e no primeiro ano tem sido limitada pela elevada incidência de progressão da insuficiência cardíaca e de óbitos relacionados a arritmias, com índice de sobrevida ao redor de 50 a 60%. Somente a identificação de fatores que indiquem resultados mais favoráveis com esse procedimento, permitindo a adequada seleção dos pacientes, poderá posicioná-lo como alternativa de mais ampla utilização.

 

Fonte:

http://www.uol.com.br/intramed/cob_congr/cardio3.htm

http://www.estado.estadao.com.br/edicao/pano/96/07/27/provs281.html

http://www.estado.estadao.com.br/edicao/pano/96/07/27/provs280.html

http://www.socesp.org.br/publish-revista/pag/1.9.7.1.html

http://heartdisease.about.com/library/news/blbatista.htm

http://www.time.com/time/reports/heroes/toobig.html

http://publicacoes.cardiol.br/consenso/73s5/07.asp

http://exn.ca/Stories/1997/04/10/04.asp

Acesso em agosto de 2002

Revista do Incor dezembro 1998/janeiro 1999 pagina 14