Quando os padres do seminário de Olinda (PE) começaram a lutar pela independência do Brasil – participaram da revolução pernambucana de 1817 e outras ações contra o jugo português – baniram de suas mesas os pratos à base de trigo, símbolo do colonizador, e passaram a consumir alimentos feitos com mandioca (Manihot esculenta). Imbuídos dos ideais de libertação que, no alvorecer do século 19, empolgavam as nações oprimidas nos quatro cantos do globo, também abdicaram do vinho do Porto nos brindes, substituindo-o pela nacionalíssima cachaça. Duzentos anos depois, o seminário continua de pé mas o fermento da brasilidade desandou. O ideário nacionalista sucumbiu diante do capital internacional, os padres (e demais setores da sociedade) acomodaram-se e o trigo voltou a dominar as massas. O mundo mudou muito de lá para cá, mas o mandioqueiro, não. Continua marginalizado, principalmente no Norte e Nordeste, onde a raiz ainda é cultivada como o faziam as populações indígenas, antes da chegada dos portugueses.
O Brasil produz quase 23 milhões de toneladas de mandioca, 50% das quais são consumidas in natura; 30% como farinha dos mais variados tipos e formas; e 20% sob a forma de amido (fécula) natural ou modificado, de largo emprego na produção de alimentos e insumo nas indústrias química, têxtil e farmacêutica. Segundo dados do IBGE, o maior produtor é o Pará, com quatro milhões de toneladas (veja quadro). Planta-se em todo o território nacional, exceto nas regiões mais frias do sul do país. É a terceira cultura que mais ocupa mão-de-obra, perdendo para o milho e o café, que dispõem de áreas maiores. No Norte e Nordeste, regiões de lavouras familiares, com produtividade baixa, pouca ou nenhuma tecnificação, ainda é cultura de subsistência, embora algumas agroindústrias tenham pipocado aqui e ali e a ajuda técnica venha crescendo nos últimos anos. No Centro e Sudeste do país, o cenário é diferente. A região abriga grandes fecularias, responsáveis por 97% da produção nacional de amido, de alto valor agregado, lavouras tecnificadas e produtividade alta, especialmente na área que abrange o sul de Mato Grosso do Sul, noroeste e oeste do Paraná e oeste de São Paulo mas, ainda assim, o setor mandioqueiro nacional não conseguiu deslanchar.
As novas pesquisas mostraram que é possível adicionar até 20% de fécula de mandioca no preparo do pão francês e de até 25% na massa de pães para hambúrguer e cachorro-quente. Teoricamente, o amido de mandioca (fécula) é parecido com o do trigo, com pequenas alterações, como o fato de este último possuir glúten, responsável pela retenção de gases durante a fermentação da massa, o que provoca o crescimento. Os pesquisadores garantem que não ocorre mudança de sabor significativa. E apontam ainda mais uma vantagem em relação ao amido da mandioca: os pães fabricados com parte de mandioca dobram o tempo de armazenamento em prateleira de três para seis horas, em relação à produção com 100% de farinha de trigo. “A adição do amido dá mais vida ao pão nosso de cada dia”, garante Motta. Para Chigeru Fukuda, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura e presidente da Sociedade Brasileira de Mandioca, a iniciativa representa ainda a possibilidade de resgatar uma dívida social com os agricultores que ao longo de décadas estiveram à margem do contexto agroindustrial nacional. “No Nordeste a mandioca sempre foi considerada cultura de pobre, sem se levar em consideração seu importante papel na segurança alimentar das populações de baixa renda”, observa Fukuda.
Fonte:
http://revistagloborural.globo.com/GloboRural/0,6993,EEC304588-1641,00.html
http://www.cnpmf.embrapa.br/extra/013_Pao_brasileiro.htm
Acesso em julho de 2002