Dentro de pouco tempo, a um novo produto tratará queimaduras e cicatrizes cirúrgicas: a pomada de jaca. Desenvolvida por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) em Ribeirão Preto, o medicamento tem como princípio ativo a lectina KM+, uma proteína presente na semente de jaca e que estimula a proliferação celular e a produção de colágeno. “A ação benéfica de KM+ sobre a lesão é drástica. Ela se faz logo nas primeiras horas após o ferimento, evita a necrose do tecido e proporciona uma regeneração muito mais rápida do que a dos ferimentos não tratados”, afirma Maria Cristina Roque Barreira, uma das coordenadoras do estudo. A expectativa é que o medicamento esteja disponível para uso clínico em aproximadamente cinco anos.
A KM+ da jaca é obtida pela técnica da expressão heteróloga de proteína, que neste caso consiste em inserir o gene responsável pela produção da lectina do DNA da fruta em uma levedura. Assim, o microorganismo funciona como uma espécie de “fábrica” da substância desejada. Recentemente, a lectina passou a ser produzida em bactérias no lugar das leveduras. Além de ser mais rápido e mais barato, o novo processo conseguiu quadruplicar as quantidades produzidas. “Estamos aperfeiçoando o método para tornar a produção viável em larga escala”, explica Maria Cristina, ressaltando que a aplicação da substância em cicatrizes cirúrgicas e outros tipos de lesão já está sendo estudado.
No começo, a pesquisa foi conduzida pela professora Maria Cristina, do Laboratório de Imunoquímica e Glicobiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP). Nos últimos quatro anos, ganhou o reforço da professora Maria Helena Goldman, do Laboratório de Biologia Molecular de Plantas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP). Enquanto o Laboratório de Imunoquímica e Glicobiologia estudava as propriedades biológicas da lectina de jaca, Maria Helena pesquisava a melhor forma de expressar a proteína em microorganismos para produção laboratorial. O estudo contou com o apoio da FAPESP (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo) no financiamento e no registro das patentes.
O grupo estuda as lectinas e seu efeito sobre as células dos mamíferos há dez anos. A idéia de usar a descoberta no tratamento de queimaduras partiu de um dos bolsistas do projeto, estudante de medicina. “Ele queria enxergar uma aplicação prática daquilo que estávamos pesquisando”, conta Maria Cristina Roque Barreira, uma das coordenadoras do estudo. “Supunha que, como a KM+ atraía células de defesa do organismo para o local lesado, poderia ser útil na prevenção de infecções associadas a queimaduras.” Em seguida, a hipótese foi testada em ratos. Os animais tratados com a pomada que continha a lectina melhoraram rapidamente, antes mesmo de haver tempo para uma infecção. Foi quando a equipe percebeu que a KM+ acelerava a regeneração do tecido queimado e evitava a necrose. Isso acontece porque a proteína estimula a multiplicação das células sadias e a produção de colágeno, além de facilitar a formação de novos vasos sangüíneos para irrigar o local afetado.
Nos testes, a pomada foi eficaz em queimaduras de diferentes extensões e profundidades e provocou uma resposta 80% mais eficiente que o tratamento sem a KM+. Outra vantagem é que, ao contrário do processo natural de cicatrização, o tratamento com a lectina da jaca não deixa marcas. Isso acontece porque o local afetado, em vez de ser recomposto por células do tecido conjuntivo, é reconstruído por células idênticas às anteriores, obtidas graças à reprodução das células sadias. Como as quantidades de KM+ presentes na semente da jaca são mínimas e não há cultivo regular da fruta, foi necessário desenvolver um método capaz de produzir a lectina em larga escala. Para isso, entrou em cena uma outra equipe da USP de Ribeirão Preto, coordenada por Maria Helena Goldman, do Laboratório de Biologia Molecular de Plantas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
A solução encontrada foi identificar, no DNA da jaca, o gene responsável pela produção de KM+ e implantá-lo em leveduras que passaram a agir como uma usina de produção artificial da lectina. Recentemente, a equipe desenvolveu um método para produzir a lectina em bactérias, ainda em fase de testes. Maria Helena acredita que a nova técnica poderá aumentar a produção de KM+ e reduzir seus custos. Os pesquisadores estimam que, em cinco anos, a pomada deve estar disponível para uso clínico. Antes disso, é preciso fazer testes em voluntários humanos. Segundo Maria Cristina Barreira, essa já não é uma missão da universidade. “Esperamos que uma empresa farmacêutica se responsabilizasse por essa parte”, justifica. A USP e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que financiou o estudo, devem negociar com os laboratórios a produção do medicamento.
Fonte:
http://www.noolhar.com/opovo/cienciaesaude/348673.html
http://www.rbp.fmrp.usp.br/docentes/mcbarrei.html
http://www2.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n1031.htm
acesso em abril de 2004
RADIOBRAS DATA: 17/03/04 ON-LINE “USP desenvolve pomada cicatrizante à base de proteína da jaca”