Metalúrgia

Processo Tecnored

Em vez das grandes dimensões dos altos-fornos, fornos com pouco mais de dois metros; em vez de extensas baterias de coque e plantas de sinterização, o uso diverso de matérias-primas não convencionais, desde a biomassa até resíduos de pneu. Estas são algumas características de uma tecnologia de redução de minério de ferro e resíduos ferrosos, genuinamente brasileira, que está ganhando espaço no mundo siderúrgico com diferenciais de realização que, entre outras vantagens, promete reduzir drasticamente o custo de cada tonelada de ferro-gusa. Trata-se do processo Tecnored, cuja denominação indica também o nome da empresa que o concebeu e gerencia, a Tecnored Tecnologia de Auto Redução Ltda., mantida pela empresa StarTec uma joint venture entre a americana North Star Steel (NSS) e a brasileira Tecnólogos Desenvolvimento Tecnológico Ltda.


A tecnologia de auto redução, nos moldes desenhados pela Tecnored, anda estimulando sonhos internacionais, a começar pela promessa de bater, em rentabilidade e funcionalidade, os complexos e custosos altos-fornos e também pela maneira inovadora do negócio que prevê uma verdadeira virada nos modelos atuais, por meio do fornecimento turn-key de usinas ou no fornecimento de metal líquido over-the-fence (em Português, “através da cerca” das aciarias) permitindo às aciarias concentrarem seus esforços apenas no seu core business, ou seja, na produção do aço.

Até tornar-se uma opção econômica válida na disputa entre os players internacionais e conseguir ganhar a aposta da NSS, a nova tecnologia precisou vencer um longo caminho. A cronologia remonta aos anos 60, quando pesquisadores do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e da Escola Politécnica da USP, liderados pelo professor Carlos Dias Brosch decidiram explorar, conceitualmente, as possibilidades de tornar o processo de transformação de minérios em ferro primário cada vez mais eficiente e menos dependente de matérias-primas convencionais.

O trabalho consistiu em estudar todos os fenômenos do processamento dos aglomerados autorredutores e formular a modelagem matemática. “Com isso, as novas experiências passaram a ser feitas virtualmente, com economia de tempo e de material. Outro objetivo era diminuir os riscos na produção. Os resultados obtidos validaram plenamente os dados que obtivemos na planta piloto”, explica D’Abreu. Nos primeiros momentos da pesquisa, era difícil acreditar em alguma tecnologia que pudesse afrontar os altos-fornos, que após quase 550 anos de evolução tecnológica continuam operando com eficiência e produtividade comprovadas e aparentemente imbatíveis. Para o professor D’Abreu, os resultados da inovação são expressivos, sobretudo por ela ter surgido no Brasil, onde as empresas em geral compram tecnologia pronta do Primeiro Mundo.

A tecnologia vem renovar uma promessa que há pelo menos uma década surgiu no cenário mundial: uma alternativa aos altos-fornos que, apesar de sua eficiência, não apresentam flexibilidade de produção nem de matérias-primas, além de exigirem elevados investimentos na instalação e nas reformas. A passagem da condição de conceito acadêmico para a de inovação tecnológica se deu na década dos 70 pelas mãos do engenheiro metalúrgico Marcos Contrucci, que naqueles tempos atuava como professor da PUC-Rio e consultor no segmento siderúrgico como sócio da Tecnometal. Hoje, Contrucci é diretor da Tecnored, tendo em postos estratégicos integrantes de um time de engenheiros que se tornaram verdadeiros cúmplices ao longo do tempo. Eles apostaram na possibilidade de fazer suas carreiras profissionais tentando encontrar uma solução nova para um velho desafio: “Assumimos as limitações da natureza e, em vez de fabricar uma “pedra” artificial para o velho forno (pelotas clássicas), criamos um forno novo para uma nova “pedra” já contendo carbono (aglomerados autorredutores)”. “Acho que a nossa grande opção foi tentar enxergar as coisas óbvias”, relata Contrucci.

A tecnologia já está patenteada em 24 países, sendo propriedade da StarTec. Como explica Contrucci, esta tecnologia implica, fundamentalmente, em dois fatores inovadores: o forno e os aglomerados autorredutores de cura a frio, produzidos a partir de uma mistura de finos de minério de ferro ou resíduos ferrosos, componentes redutores, tais como carvão mineral, finos de carvão vegetal, biomassa, e ainda cal hidratada, cimento ou escória como agentes ligantes e fluxantes. A característica marcante aqui é o “ambiente interno dos aglomerados”, ressalta Contrucci, que resulta em elevadas taxas de redução e fusão no forno (extração do oxigênio do minério) graças às condições cinéticas daí resultantes. A primeira vantagem, explica Contrucci, está nos custos de instalação, porque os equipamentos utilizados são conhecidos, simples, funcionais e de manutenção fácil. Os periféricos principais de um alto-forno podem ser plenamente utilizados pelo novo processo. Apostando nisto, a dona do empreendimento prevê, em um futuro próximo, a possibilidade de substituir os altos-fornos por fornos Tecnored, por causa da diferença de custos, se comparados aos de um revamping (reforma).

O processo Tecnored utiliza matérias-primas como finos de minério e carvão, resíduos, lamas e pós, com baixa demanda de energia elétrica, dispensando o uso de oxigênio. Tudo isso é possível a partir das características diferenciadas do forno, que contém, basicamente, uma cuba superior, uma zona de fusão, e em seguida a cuba inferior, pela qual se vaza o metal líquido e a escória, em um regime operacional muito parecido com o de um alto-forno, explica Pedro Carpinetti Costa, gerente de processo de fusão. As vantagens operacionais começam na cuba superior onde não é necessária a adição de combustível sólido, resultando em economia de energia e evitando a ocorrência da gaseificação do carbono (solution loss), fenômeno provocado pela Reação de Boudouard. A energia produzida na queima secundária do monóxido de carbono é utilizada para o pré-aquecimento e a redução da carga aglomerada. Na zona de fusão, o que faz a diferença é a atmosfera interior do aglomerado que evita a reoxidação. E por causa da baixa coluna de carga, podem ser usados combustíveis sólidos variados. A redução residual dos óxidos de ferro presentes e a escorificação de ganga e cinzas ocorrem no estado líquido na cuba inferior. A produtividade é marcante: enquanto nos altos-fornos, o tempo de residência é de cinco a seis horas, no novo forno é de cerca de 30 minutos, completa Carpinetti.

 

Fonte: http://www.revistametalurgia.com.br/apresenta2.php?Pag_id=116&edicao=518

Acesso em abril de 2002