Pesquisadores da UFMG começam a testar, em Juatuba, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, uma nova vacina contra a leishmaniose canina. A vacina é resultado do trabalho desenvolvido por uma equipe de cientistas coordenada pelos professores Ana Paula Fernandes, da Faculdade de Farmácia, e Ricardo Tostes Gazzinelli, do ICB, que há cinco anos vêm pesquisando antígenos recombinantes capazes de induzir proteção contra a leishmaniose, inclusive em cães, principais reservatórios da versão visceral da doença. “Hoje, o sacrifício de cães soropositivos e a aplicação de inseticidas são as únicas formas de controlar a doença no Brasil. A vacina disponível no mercado apresenta problemas e não é recomendada pelo Ministério da Saúde. Queremos oferecer uma alternativa”, afirma Ana Paula.
O exemplo dos animais doentes, os cães que recebem a vacina existente apresentam resultados positivos nos testes de diagnóstico da leishmaniose. Na prática, isso significa que não há como distingui-los dos animais infectados. “Isso ocorre porque a vacina utiliza antígenos de formas promastigotas*, que induzem a produção de anticorpos e fazem com que os animais se apresentem como soropositivos, o que dificulta a aplicação das medidas de controle da doença. Assim, não há como saber se o animal foi apenas vacinado ou se está infectado”, detalha a professora. A solução proposta pelos pesquisadores baseia-se no uso de antígenos expressos na forma amastigota (São diferentes estágios do ciclo evolutivo do protozoário. Na forma amastigota, a célula apresenta forma arredondada e o flagelo _ filamento responsável pela locomoção do microrganismo _ não ultrapassa a membrana celular. Nas leishmanioses, a forma amastigota se multiplica obrigatoriamente dentro das células, macrófagos, principalmente, dos hospedeiros vertebrados, como o homem e o cão. Já a forma promastigota se desenvolve no tubo digestivo dos vetores invertebrados, flebotomíneos, é móvel e ultrapassa a membrana celular), que, em vez de induzir a produção de anticorpos, provoca uma resposta celular, que permite a proteção e o controle da multiplicação dos protozoários. Na primeira etapa do projeto, os testes foram realizados com camundongos. Os pesquisadores imunizaram os animais com antígenos recombinantes, que, em seguida, foram infectados com o protozoário Leishmania. Foram avaliados os sintomas, a presença de parasitas nos tecidos e a resposta imunológica. “Os camundongos apresentaram excelente resposta à vacina. Em comparação aos animais não imunizados e infectados, houve redução expressiva da quantidade de parasitas presentes nos tecidos. Nossa expectativa é que os cães fiquem imunes e apresentem resultados negativos nos testes de diagnóstico de rotina”, explica Ana Paula. “Ela esclarece que a redução da carga parasitária não diminui apenas as chances de desenvolvimento da doença nos cães”. “Também é menor a possiblidade de o inseto-vetor infectar-se no momento em que se alimenta nos cães e transmitir a doença ao homem”, acrescenta Ana Paula Fernandes.
Segundo a professora, a vacina só deverá chegar ao mercado no próximo ano, após a conclusão dos testes com os cães. “Ainda temos que responder algumas perguntas. Como os cães ficam protegidos? A vacina reduz a carga parasitária ou os animais permanecem como reservatórios significativos da doença?”, questiona Ana Paula. Independentemente das respostas, a pesquisadora ressalta que é preciso conscientizar e mobilizar a sociedade sobre as formas de combate à doença e estimular pesquisas na área. “Só assim conseguiremos controlar a leishmaniose sem o sacrifício em massa de animais”, completa.
Os testes com cães serão realizados nas dependências do Laboratório Hertape, em Juatuba. Por meio de acordo de transferência de tecnologia firmado com a UFMG, o laboratório, que participa do financiamento das pesquisas, poderá produzir e comercializar a vacina após o término dos trabalhos. Trata-se do segundo contrato estabelecido entre a Universidade e o Hertape em 2004. O primeiro prevê o desenvolvimento de uma vacina contra a parvo virose canina, desenvolvida por pesquisadores do ICB. “A ajuda do Hertape é fundamental para realizarmos a segunda etapa do projeto, os testes com os cães. As instalações e canis construídos pela empresa em Juatuba atendem a todos os critérios de segurança para continuarmos as pesquisas”, afirma Ana Paula Fernandes.
Desde o ano passado, a vacina está sendo testada em animais. Na próxima etapa, serão realizados os estudos da fase três, quando são envolvidos outros pesquisadores que participam dos testes. Os resultados são mantidos em sigilo, mas a pesquisadora diz que os dados preliminares são muito favoráveis. “Ano que vem, vamos ter os resultados precisos e poderemos divulgá-los”, diz ela. Como a leishmaniose é uma doença zoonótica que afeta, também, o ser humano, a vacina interfere no controle da leishmaniose visceral humana, o que faz com que os testes do produto sejam ainda mais reforçados. A Hertape tem um segundo contrato de transferência tecnológica com a UFMG, que envolve a fabricação de uma vacina contra a parvo virose canina, à base de proteína recombinante, desenvolvida pela equipe da professora Erna Kroon Geessien, do Departamento de Microbiologia do ICB.
Fonte:
http://www.ufmg.br/boletim/bol1460/quinta.shtml
http://www.ufmg.br/diversa/10/patentes.html
Acesso em agosto de 2007