Medicina

“Broca Odontológica de Diamante”

Em 1995, a Clorovale começou um trabalho modesto de pesquisa em diamante-CVD. “Dois anos depois, enviamos o projeto à FAPESP, que aprovou a primeira fase em 1998 e a segunda em 1999. Isso nos deu força para intensificarmos o trabalho e hoje já temos o primeiro produto em vias de industrialização, que é a broca de dentista”, afirma. Na fase atual, a empresa conta com dois reatores, que serviram para testar a viabilidade técnica do projeto, e está montando mais quatro, com tecnologia também desenvolvida no Inpe e na USF.

Um fator que tem animado os sócios da Clorovale foi à boa receptividade que os dois tipos de brocas odontológicas tiveram em janeiro deste ano, quando foram apresentadas no XIX Congresso Internacional de Odontologia, reunido em São Paulo. Uma empresa de Ribeirão Preto, a Adiel Comercial, pesquisou o mercado para a Clorovale e várias indústrias mostraram-se interessadas, entre elas uma japonesa do setor odontológico, que poderá importar as brocas odontológicas brasileiras.

 

A maior novidade da invenção é uma broca que funciona por vibração a partir de ondas de ultrassom. Ela quase não emite ruídos, ao contrário das brocas convencionais, que operam por rotação e fazem um barulhinho de meter medo em muita gente. A melhor notícia é que ela reduz a dor, dispensando o uso de anestesia na maioria dos tratamentos. Resultado de seis anos de pesquisas, a nova broca está sendo encarada pelos dentistas como uma revolução na odontologia.

“Os tratamentos com as brocas com ponta de diamante para aparelhos de ultrassom são minimamente invasivos e muito mais precisos. Por isso, não causam desgastes e traumas desnecessários ao dente”, afirma o físico Vladimir Jesus Trava Airoldi, um dos sócios da Clorovale e um dos pioneiros no estudo de diamantes artificiais no Brasil na função de pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “O aparelho de ultrassom faz essas brocas vibrarem, atingindo apenas a cárie e preservando a parte sadia do dente”, conta.

A broca, explica o pesquisador, é adaptável aos aparelhos de ultrassom, usados para tratamentos de periodontia (tratamento de problemas na região do dente próxima à gengiva), existentes nos consultórios dentários. Ela funciona numa frequência de vibração de 30 quilohertz (30 mil oscilações por segundo), com movimentos parecidos ao de uma britadeira, embora bem mais suaves. Dentistas que já testaram o produto concluíram que em mais de 70% dos casos o tratamento é indolor. Isso acontece porque essa broca atinge a cavidade dentária pela vibração, sem esmagar a dentina, região onde ficam os filamentos nervosos que dão sensibilidade ao dente.

A empresa também está colocando no mercado uma broca de rotação convencional com ponta de diamante-CVD, um material obtido por meio do processo Deposição Químico na Fase Vapor (Chemical Vapor Deposition). É o mesmo diamante que reveste as brocas dos aparelhos de ultrassom. “Usamos a mesma técnica para recobrir as duas brocas. A única coisa que muda é o modo como a ponta atua em relação ao dente, por rotação ou vibração”, explica Airoldi. A Clorovale foi pioneira na América Latina no desenvolvimento de diamantes-CVD e é a única empresa no mundo que domina a tecnologia de produção de pontas odontológicas com esse material.

As brocas da Clorovale oferecem muitas vantagens sobre as tradicionais, recobertas por diamantes artificiais HPHT, sigla em inglês para High Presure, High Temperature (Alta Pressão, Alta Temperatura). Essa tecnologia usa pó de diamante e solda de níquel, em uma haste de aço. Já o diamante-CVD cresce na própria haste, recobrindo-a na espessura desejada. “As brocas com diamante-CVD sofrem um desgaste mínimo com o uso e têm vida útil superior à das brocas tradicionais”, afirma Airoldi. Além disso, sua fabricação não utiliza metais ou outros resíduos danosos ao ambiente e nem ao paciente porque as matérias-primas – hidrogênio, principalmente – são biocompatíveis. As vendas anuais de brocas odontológicas superam R$ 1,1 bilhão no mundo. Só no Brasil, esse mercado movimenta R$ 70 milhões por ano. A estimativa da empresa é que, em três anos, cerca de 40 mil dentistas (25% do total) estejam usando as novas brocas. O mercado internacional também será explorado, já que não existem brocas similares no exterior. As vendas para outros países devem começar em seis meses. A meta é atingir, em cinco anos, 15% dos 300 mil profissionais de odontologia da América Latina e 3% dos 2,5 milhões de dentistas do resto do mundo, o que dá quase 100 mil pessoas.

As pontas de broca da Clorovale custam entre R$ 30 (por rotação) e R$ 80,00 (ultrassom) e são bem mais caras do que as de diamante convencional (R$ 3,00). Mas, segundo os sócios da Clorovale, o custo-benefício compensa, já que elas são pelo menos 30 vezes mais duráveis. As novas pontas serão vendidas em estojos com quatro unidades, sendo uma ponta cônica, uma tronco-cônica, uma cilíndrica e uma esférica. Esses são os quatro modelos mais usados pelos dentistas.

A fabricação de diamantes sintéticos pela Clorovale só foi possível graças ao estreito relacionamento entre a empresa e alguns centros de pesquisa. Três dos diretores da Clorovale, os físicos Vladimir Airoldi, Evaldo Corat e Édson del Bosco, também trabalham no Inpe. A empresa tem ainda outros quatro sócios: o professor João Roberto Moro, da Universidade São Francisco (USF), de Itatiba (SP); a engenheira química Kiyoe Umeda, da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN); o químico Luiz Gilberto Barreta, do Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA); e o técnico em eletromecânica Marcos Gama Lobo. Juntos, eles mostraram que é possível transformar conhecimentos gerados em centros de alta tecnologia em produtos com boa aplicabilidade no mercado. “Esse caso mostra que os modelos de financiamento do PIPE e do Nuplitec estão consolidados”, comenta o professor Edgar Dutra Zanotto, da Universidade Federal de São Carlos e coordenador do Nuplitec. “Com esse licenciamento, inauguramos um novo e efetivo mecanismo para aumentar a receita da FAPESP, redirecionando os ganhos com royalties para outras pesquisas.”

Só nos três primeiros meses de 2003, quando iniciada a comercialização, já foram vendidas aproximadamente 1,5 mil brocas de ponta de diamante sintético para aparelhos de ultrassom. Até o momento, o faturamento foi de R$ 120 mil. Airoldi e outros pesquisadores da equipe já pesquisavam o Diamante CVD (Chemical Vapor Deposition) desde 1991 no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos. O diamante CVD, sintetizado em laboratório, não tem valor de joia, mas grande valor em escala industrial. Em 1995, a Clorovale foi criada, dando continuidade às pesquisas do diamante artificial. Três anos depois tiveram o projeto aprovado pelo Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe), da Fapesp. O programa financia projeto a fundo perdido para empresas com proposta de desenvolvimento tecnológico e menos de cem funcionários. “Nesses três anos tivemos de preparar um estudo sobre a viabilidade econômica do diamante CVD, sobre o processo de transferência de tecnologia do Inpe para a Clorovale, estudo de produção em escalonamento industrial, de marketing e de vendas”, explica Airoldi. Com o projeto aprovado em primeira e segunda fase, os pesquisadores receberam aproximadamente R$ 375 mil da Fapesp. Também contaram com investimentos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia, no valor de R$ 150 mil.

Em 2001, a Clorovale iniciou a industrialização de brocas odontológicas feitas com o diamante sintético, puro, sem adição de metais. Airoldi explica que ao comparar as brocas convencionais (metal ou diamante importado) com as brocas fabricadas pela Clorovale, o profissional vai perceber que a ponta dos instrumentos desenvolvidos em São José dos Campos apresenta maior durabilidade. O motivo é a ausência de metais no diamante sintético da Clorovale. A novidade é que um determinado tipo de broca, com ponta de diamante CVD, pode ser adaptado a aparelhos de ultrassom existentes nos consultórios dentários e, assim, funcionar por vibração a partir de ondas de ultrassom, quase sem ruído, quando comparado com o barulho do motorzinho. “A broca atinge a cárie pela vibração e não pressiona a região dos filamentos nervosos do dente, diminuindo assim a dor e, respectivamente, o uso de anestesia em 70% dos casos” , diz Airoldi. Uma broca de vibração com ponta de Diamante CVD, produzida pela Clorovale, custa R$ 200, enquanto o preço da broca com diamante convencional é de R$ 3. Apesar da grande diferença de preço, os sócios da Clorovale dizem que a broca com diamante sintético é 30 vezes mais resistente que a convencional, além de ser mais precisa. A Fapesp está financiando a patente internacional do projeto de brocas de diamantes para aparelho de ultrassom no Brasil, Estados Unidos, Canadá, Europa e Japão. O custo pode variar de 50 mil a 100 mil dólares. Pela primeira vez, a Fapesp colocou em prática uma maneira de aumentar as próprias receitas, por meio de ganhos de royalties.

Pela primeira vez na história, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) recebeu royalties como resultado de uma invenção por ela financiada. O primeiro cheque, de 4 150 reais, foi entregue em abril de 2003. O segundo, de 4 630 reais, em outubro. A invenção que está dando origem a esses recursos não é nenhuma maravilha da biotecnologia ou da genética. É uma broca dentária com ponta de diamante artificial, desenvolvida pela empresa Clorovale, de São José dos Campos (SP). Única no mundo, ela elimina o barulhinho desconfortável que incomoda nove entre dez pessoas que sentam na cadeira do dentista. Apesar de mais cara que a broca tradicional custa cerca de 200 reais, ou 20 vezes o preço de uma broca comum -, a invenção dispensa anestesia e dura de 20 a 30 vezes mais que a convencional.

Segundo o diretor científico da Fapesp, José Fernando Perez, ao todo, o financiamento da fundação para a Clorovale foi de 146 mil reais e mais 106 mil dólares. Esse empréstimo será pago por meio dos royalties, que equivalem a 4% do faturamento da empresa, depois de descontados os impostos. Vladimir Jesus Trava Airoldi, um dos fundadores da Clorovale, disse que, neste primeiro ano de atuação, a empresa deve encerrar com um faturamento de cerca de 400 mil reais. Para 2004, afirma que não é possível prever qual será o valor, porque dependerá das exportações. Mas com certeza vamos mais que dobrar a receita, diz. Atualmente, a empresa está empenhada em regularizar toda a documentação necessária para exportar o produto. Para vendê-lo nos Estados Unidos, por exemplo, é preciso autorização do Food and Drug Administration (FDA, órgão de inspeção de alimentos e medicamentos). Essas negociações já estão adiantadas com países como os Estados Unidos, Alemanha, Holanda e Itália, diz. Segundo ele, no final do primeiro semestre de 2004 as exportações já devem estar em curso.

Desde 1998, quando foi criado o Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), cerca de 300 empresas receberam financiamento da Fapesp, a exemplo da Clorovale. O problema, segundo o diretor da fundação, é na hora de patentear a invenção. Isso porque o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) leva cerca de oito anos para processar uma solicitação de patente. Esse é um grande gargalo para a inovação tecnológica no Brasil, diz. Ele cita o próprio caso da Clorovale como exemplo. Se outra empresa copiar a invenção ou conseguir uma patente similar, vamos ter de contestar na Justiça. É possível provar quem é o autor intelectual verdadeiro, mas isso leva tempo e dinheiro.

 

Fonte: http://revistapesquisa.fapesp.br (numero 78)

Acesso em janeiro de 2003

http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/materia.asp?Id=1821623

Acesso em maio de 2003

“Fapesp obtém primeira receita com invenção que financiou”, Autor: Silvana Mautone, Fonte:EXAME 11/12/03