Fármacos

Tamandarina

O fundo do mar pode reservar boas novas para a pesquisa contra o câncer. Cientistas da Universidade Federal Fluminense (UFF) estão analisando extratos bioativos retirados de animais marinhos e descobriram que algumas substâncias isoladas desses extratos possuem estruturas moleculares que atuam sobre células tumorais, impedindo sua reprodução. O Laboratório de Produtos Naturais e Ecologia Química Marinha (Lapromar) da UFF dedica-se ao estudo de substâncias orgânicas produzidas por invertebrados marinhos que vivem no litoral brasileiro. A primeira etapa do trabalho dos cientistas consiste em coletar os organismos ao longo da costa do país (no Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, na Bahia; na faixa do litoral fluminense entre Búzios e Arraial do Cabo; no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha). As espécies são em seguida levadas ao laboratório para reconhecimento. Depois, os cientistas isolam os produtos naturais de tecidos desses organismos e, então, começam a identificar as estruturas químicas presentes nessas substâncias orgânicas. 

Desde que o trabalho começou, em 1993, cerca de 30 compostos já foram analisados, sendo 14 inéditos na literatura. “O mais importante é pesquisar a atividade farmacológica das moléculas de origem marinha”, afirma Rosângela Epifânio, do Programa de Pós-graduação em Química Orgânica da UFF. O estudo que deu destaque ao Lapromar descreve uma substância chamada tamandarina A e caracteriza sua atuação frente a algumas células tumorais. O trabalho mereceu a capa da revista americana The Journal of Organic Chemistry e rendeu a Rosângela – uma das autoras – o prêmio Pesquisador Júnior no I Prêmio Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – EMS-Sigma Pharma de Ciência e Tecnologia em Saúde. 

O Lapromar se dedica ao estudo de invertebrados marinhos, com ênfase na avaliação da atividade biológica de extratos brutos e substâncias puras isoladas e identificadas, principalmente de esponjas e octocorais.“Nossas pesquisas tiveram como objetivo principal a descoberta de substâncias com atividade ecológica ou farmacológica produzidas por organismos marinhos coletados ao longo da costa do Brasil”, define Rosângela. A criação do grupo foi motivada pela falta de informações sobre as substâncias orgânicas produzidas pelos organismos que habitam a costa brasileira.

A tamandarina A é um peptídeo isolado de uma ascídea da família Didemnidae, invertebrado marinho recolhido em Tamandaré (PE). Durante a fase de testes in vitro, a substância conseguiu inibir a multiplicação das células cancerosas de mama, ovário, próstata, pulmão, rins e pescoço. Um outro composto, ainda sem nome, foi também isolado do octocoral Carijoa riisei, e se mostrou eficiente no combate às células tumorais do câncer de cólon (HCT 116). 

Os primeiros resultados favoráveis do laboratório com os extratos marinhos vieram com os octocorais. Uma pesquisa com esses invertebrados descreve o isolamento de esteróis glicosilados “inéditos e citotóxicos”, enfatiza Rosângela, com ação frente a células tumorais de cólon humano. Das gorgônias (animais marinhos celenterados como os corais vermelhos) Phyllogorgia dilatata e Lophogorgia violacea foram isoladas substâncias com reconhecida atividade neurotóxica. “Os ensaios de preferência alimentar em campo, demonstraram que estas Neurotoxinas inibem o consumo da gorgônia por peixes e que, portanto, são importantes no mecanismo de defesa e de sobrevivência destes organismos”, explica. Além de lophotoxina, outros 5 furanocembranolidos similares, incluindo duas substâncias inéditas, foram testados quanto à sua importância ecológica na defesa destas gorgônias frente à predadores. Os ensaios de preferência alimentar em campo, demonstraram que estas neurotoxinas inibem o consumo da gorgônia por peixes e que, portanto, são importantes no mecanismo de defesa e de sobrevivência destes organismos.

Outras cinco espécies com atividade citotóxica significativa também são estudadas pelo Lapromar. “Um destes extratos quando testado pela professora Izabel Frugulhetti – colaboradora do Instituto de Bioquímica da UFF – inibiu em 95% a enzima transcriptase reversa do vírus HIV”, informa Rosângela. O isolamento de substâncias bioativas de animais marinhos no Lapromar é obtido por meio de ensaios biológicos de palatabilidade em campo, de atividade contra bactérias marinhas patogênicas, de atividade contra a enzima transcriptase reversa e de citotoxicidade.

Os testes ainda estão em fase preliminar e as substâncias descritas estão longe de se transformar em um remédio eficaz contra tumores malignos. “Não sabemos ainda como esses compostos agem no corpo humano As próximas fases da pesquisa podem revelar que eles também podem destruir células saudáveis”, diz Rosângela. “Estamos dando os primeiros passos.” 

Rosângela de A. Epifanio é farmacêutica formada pela UFRJ, mestre em Ciências pelo NPPN-UFRJ e doutora pelo IQ-UFRJ na área de produtos naturais em 1992. Realizou doutorado-sanduíche no ICMIB-CNR (Nápoles, Itália) e pós-doutorado no SIO-UCSD (Califórnia, EUA) em produtos naturais e ecologia química marinha. Atualmente é Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Química Orgânica da UFF, pesquisadora 2A do CNPq e Coordenadora do Lapromar. Leciona na graduação a disciplina de Cromatografia e na PG as disciplinas Ressonância Magnética Nuclear e Produtos Naturais . 

Fonte: http://www.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n257.htm
http://www.biotecnologia.com.br/noticias/181200a.htm 
acesso em fevereiro de 2002
http://www.radiobras.gov.br/ct/2000/materia_151200_3.htm 
http://www.uff.br/lapromar/equipe.htm 
acesso em fevereiro de 2003